No momento em que mais precisávamos de Cecília Thompson, ela sai de cena sem avisar

(*) Ucho Haddad

“Você é um querido”. Eis a resposta a uma mensagem que enviei a Cecília Thompson. Se sou querido não sei, mas assim ser chamado por Cecília Thompson, tão querida por tantos, não é pouca coisa. Doce como sempre, ela pode ter dito isso a muita gente, mas aos meus ouvidos soou como sinfonia.

Como escreveu o jornalista Sérgio Vaz em primoroso e verdadeiro texto publicado logo após o anúncio da morte de Cecília, ela “é querida demais, amada demais, é o retrato do bem em si”. Essa é a mais completa tradução de Cecília.

Em tempos de intolerância crescente e discursos de ódio que não arredam o pé, o “você é um querido” de Cecília Thompson foi um afago na alma, um aviso de que nem tudo está perdido, de que é preciso continuar acreditando. Aliás, foi o que Cecília fez durante os longos anos em que se dedicou de maneira intensa ao jornalismo. E como se dedicou!

Cecília foi única, foi una, foi muitas, foi todas e todos. Foi JORNALISTA, com letras maiúsculas, sim, pois com maestria e invejável competência exercia o ofício que escolheu e dizia ser a melhor profissão de todas. Cecília Thompson foi jornalista como manda o figurino. Foi, como foi.

Obcecado pela boa leitura, fiz dos textos de Cecília Thompson parada obrigatória. E muito aprendi com seus escritos. Tive a honra de tê-la como leitora. Isso me fez (ainda faz) redobrar o cuidado ao escrever.

Mulher à frente do seu tempo, o tempo todo, Cecília carregava no embornal da alma a gentileza e a solidariedade. Foi um exemplo de mulher, mãe e profissional. Para muitos, o exemplo perene. Voltando ao texto de Sérgio Vaz, a já saudosa Cecília é e sempre será o “retrato do bem em si”.

Irreverente, Cecília Thompson era dona de cultura impecável e sua intimidade com o texto jornalístico impressionava. Como sempre digo, era do ramo, nasceu para o ofício. Ao longo da vida, Cecília teve duas grandes paixões, como bem lembrou o jornalista José Maria Mayrink: o Estadão e Gianfrancesco Guarnieri, com quem teve dois filhos – Flávio (falecido em 2016) e Paulo – e de quem se separou após sete anos de casamento.

Nesses tempos em que a aridez teimosa impera nas relações entre as pessoas, Cecília Thompson era o contraponto, o ponto fora da curva. Tomara que em outras plagas consiga operar para diminuir essas altercações desnecessárias que têm marcado o cotidiano.

Cecília Thompson fará muita falta. Aliás, já está fazendo. O fato de saber que fisicamente não mais está entre nós deixa um vazio enorme, como se tivéssemos perdido aquela mão maternal estendida nos primeiros passos. Ah, Cecília, por que agora? Há quem diga que Deus sabe o que faz, mas, se com Ele encontrar, diga que desta vez estou contrariado. No momento em que mais precisávamos de você, Ele lhe chama?

O tempo, impiedoso que é, passa sem avisar. Com isso fui “colecionando” na estante do coração os meus prediletos. Hoje, em sessão especial, contraponho Cecília Thompson e Manuel Bandeira. Ao lado de Cecília – e em sua defesa e também do “você é um querido” – sou obrigado a discordar do meu poeta predileto.

No poema “Os Nomes”, Bandeira, em determinado trecho, escreve: “Até que um dia sentimos, / Com uma pancada de espanto (ou de remorso?), / Que o nome querido já nos soa como os outros.”

Não, Bandeira, você sabe de nada, não conheceu Cecília Thompson, que jamais lhe disse “você é um querido”. Se assim tivesse acontecido, você, Bandeira, talvez escrevesse esse trecho de “Os Nomes” de um jeito diferente.

Cecília, respeitando sempre a sua encantadora doçura, lembro que chumbo trocado não dói: “Você é uma querida”. Para mim (para muitos também) sempre será! Vá em paz e dê um beijo no Flavinho.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.