Ainda em clima de campanha, João Doria exala ignorância jurídica ao criticar entrevista de Lula

Governador de São Paulo, João Agripino da Costa Doria Junior (PSDB) parece seguir a receita do presidente da República, que em vez de governar insiste em manter o discurso de campanha, eivado de ódio e intolerância. O que leva a nada e derruba a tese de que é um defensor da democracia.

Doria, considerado “tucano calouro”, apesar de acreditar que é “dono” do partido, venceu a corrida rumo ao Palácio dos Bandeirantes na esteira de discursos raivosos contra Lula e o PT, os quais ainda constam da agenda do governador paulista. Essa teimosia em termos de oratória leva a crer que o governador do principal estado da federação nada tem a apresentar em termos de realizações, mesmo depois de quatro meses no cargo.

No domingo (28), após convenção do Democratas na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), Doria decidiu comentar a entrevista concedida pelo ex-presidente Lula, na última sexta-feira aos jornais “Folha de S.Paulo” e “El País”. Aos jornalistas de ambos os jornais o ex-presidente disse que o Brasil está sendo governado por um “bando de malucos”.

“Me surpreendeu a entrevista. Nunca vi presidiário dar entrevista na prisão. É um fato inédito no Brasil. O ex-presidente e presidiário Luiz Inácio Lula da Silva parece estar em um processo avançado de esclerose”, disse Doria.

Pelo que se sabe, João Doria não é especialista em medicina, portanto não lhe cabe fazer diagnósticos médicos sobre qualquer pessoa. Ademais, esse linguajar desqualificado não coaduna com o cargo de governador de Estado.

Que João Doria, por questões de interesse e oportunismo político, passou a nutrir verdadeira ojeriza a Lula todos sabem, mas é preciso conhecer a legislação vigente antes de comentários descabidos. Além disso, um governante que se preze deveria defender o respeito à lei, algo que Doria não faz nem incentiva.


Gostar de Lula ou não é um direito de cada um, mas não se pode condenar a entrevista, uma vez que a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984), no tópico que trata dos direitos do preso (artigo 41), destaca o “contato com o mundo exterior”.

“Art. 41 – Constituem direitos do preso:

XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.”

A interpretação do mencionado artigo e pode, de chofre, ser vaga, mas ao mesmo tempo mostra-se ampla para quem não está disposto a atropelar o Estado Democrático de Direito. Se por um lado não há na LEP previsão sobre a relação do preso com veículos de comunicação, por outro não há proibição. Como se sabe, no Direito aquilo que não é proibido, é permitido.

Não obstante, o ex-presidente Lula ainda mantém o status de preso provisório, pois não transitou em julgado a sentença condenatória que o mantém preso na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba. E mesmo que o trânsito em julgado já estivesse consumado, a condenação não tira a cidadania do condenado.

Além disso, a Constituição Federal, no capítulo dedicado aos Direitos e Garantias Fundamentais, é cristalina ao estabelecer no artigo 5º – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” – o que segue:

“IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

Melhor seria se Doria se preocupasse com as questões do governo, em vez de acionar seu conhecido “febeapá”. Talvez fosse aconselhável que o governador explicasse aos paulistas a reforma no Palácio dos Bandeirantes – que caiu no esquecimento – ou, então, esclarecesse aos paulistanos o escândalo da PPP da Iluminação Pública da cidade de São Paulo, que teve direito ao uso de dinheiro do contribuinte na reforma da iluminação do palco do santuário comandado pelo padre Marcelo Rossi.