Chefe do GSI delira ao afirmar que posse de arma é “direito do cidadão”, assim como ter TV ou geladeira

Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI), Augusto Heleno coloca sua experiência como militar a serviço de Jair Bolsonaro, que não tem competência para governar e diuturnamente precisa de um freio para não incorrer em crimes de responsabilidade, o que pode levá-lo a um processo de impeachment. Apesar da parcimônia que lhe é peculiar, Augusto Heleno não tem pensamento diametralmente contrário ao do presidente da República.

Em entrevista à GloboNews, na quarta-feira (22), o general da reserva defendeu o decreto que flexibiliza o porte de armas e facilitou a compra de munição. O chefe do GSI disse que ter uma arma de fogo é um “direito do cidadão”, assim como ter uma televisão ou uma geladeira.

“É um direito do cidadão como qualquer outro, como uma geladeira, como uma televisão, como um aparelho de som. É de acordo com a sua possibilidade, mas todo cidadão passa a ter o direito de ter uma arma”, disse Augusto Heleno.

A visão simplista do ministro em relação à posse de armas de fogo beira a estupidez, pois armar uma população predominantemente ignorante e que acredita que a violência é a solução para a maioria dos problemas é querer transformar o País em um faroeste tropical. Além disso, o discurso de ódio que Bolsonaro continua fermentando, como se ainda estivesse em campanha, serve como aditivo para a intolerância e a violência.

Episódios recentes demonstram com impressionante clareza que a posse ou o porte de armas é o caminho mais curto para a consumação de tragédias. O discurso que prega o direito do cidadão de defender a família e a sua propriedade é tão ridículo quanto o que defende atese de que o criminoso precisa temer sua eventual vítima.

É preciso compreender que possuir e manusear uma arma de fogo não é tão simples quanto abrir a geladeira ou ligar a televisão da sala, ações que não exigem treinamento nem prática. Por outro lado, o manuseio de uma arma de fogo exige ambas as situações. E somente os com poder aquisitivo poderão se defender, como prega o chefe do GSI.


Na opinião do ministro Augusto Heleno, “[o decreto] conjugado com medidas típicas de segurança pública pode dar uma sensação de segurança que hoje os brasileiros não têm”.

Na verdade, o governo de Jair Bolsonaro tenta transferir à parcela endinheirada da população – afinal só esses conseguirão se armar legalmente – a obrigação do Estado de garantir segurança a todos os cidadãos, como estabelece a Constituição Federal em seu artigo 5º (caput).

A situação torna-se pior e mais preocupante quando o assunto das armas migra para o porte, que é diferente da posse. O decreto presidencial publicado em 7 de maio, que precisou ser corrigido às pressas na quarta-feira (22) para evitar a aquisição de fuzis por cidadãos comuns, é, além de inconstitucional, uma aberração, pois estende a profissionais de vinte categorias o direito de andar armado. O que mostra a insensatez da decisão do presidente da República, que continua jogando para o eleitorado.

Porte de arma para advogados

O criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-presidente da OAB-SP, critica o referido decreto, em especial a autorização do porte de armas para advogados, que Bolsonaro classificou como atividade de risco.

“Em que pese eu ser contra a proliferação de armas e seus portes no Brasil, há um argumento que me parece preocupante, é a ausência de uma reflexão sobre o sistema como um todo, pois tudo se interliga e traz consequências”, afirma o renomado criminalista.

“Trata-se desse movimento para acabar com o exame de ordem. Esse exame aplicado pela OAB aos bacharéis em Direito, condiciona a sua aprovação, para que o bacharel se torne advogado. Caso essa proposta para acabar com esse exame seja aprovada (o que seria um absurdo com enorme prejuízo ao cidadão), todos os diplomados por uma faculdade de Direito, de bacharéis, passariam automaticamente à condição de advogados. Ora, temos hoje no Brasil, pouco mais de um milhão de advogados. Caso o exame de ordem seja extinto, imediatamente, passaríamos a ter no Brasil, perto de quatro milhões de advogados”, ressalta D’Urso.

O ex-presidente da OAB paulista e professor de Direito adverte sobre o impacto disso no porte de armas: ”Diante da posição governamental, de se autorizar o porte de arma para os advogados, creio que não se levou em conta a quantidade de advogados em potencial, que teríamos no país, caso o exame de ordem fosse extinto. O impacto é enorme e assustador.”