Sob ameaça. Veja se está aqui

(*) Marli Gonçalves

Sou parte de uma parcela da população que não está se sentindo representada. Que vem sendo prejudicada, atacada e tachada, como se inimigos fôssemos, e quando nada mais somos do que mais atentos a esse perigoso desmonte ao qual não podemos assistir passivamente.

Se encaixe aqui. Identifique-se.

Somos pessoas que já perceberam há muito que essa coisa de esquerda e direita é muito mais do que ultrapassada; démodée, até. Só serve, de um lado e outro, para nos etiquetar, aos que não seguem passivamente nem os mandos, muito menos os desmandos. Pessoas que já viveram para ver o quanto são semelhantes e autoritárias muitas das posturas que chegam com o chapeuzinho, uniforme e dogmas estabelecidos. Pensamos no coletivo, no social, e, vejam só, não somos comunistas, porque prezamos antes de tudo a liberdade de ser, de opinião, individual, de expressão, não cultuamos líderes de um pensamento só.

Queremos crescimento econômico, dinheiro na carteira, poder comprar, viver bem, e também não somos de direita por isso. Queremos justiça social para todos; não aguentamos mais ver pessoas jogadas nas ruas como lixo, como trapos, a violência e sua banalização. Não queremos perder nenhum dos direitos adquiridos porque sabemos a batalha que foi conquistá-los, quanto nos custou. Vivemos os negros tempos da censura, da ditadura, vimos nossa gente tombando presas, torturadas, mortas. 21 anos de horror.

Estivemos, sim, nas ruas derrubando Dilma Rousseff, porque acreditávamos que mais alguns dias dela no governo levariam o país à uma bancarrota ainda maior do que a que deixou. Não teve golpe algum. Lula está preso, não é santo, e a Justiça o tem julgado – talvez até de forma rigorosa demais – mas tem julgado.

O que veio depois – e infelizmente nada pudemos fazer, porque a história é assim, bem doida, e não nos deu opções que prestassem – marcou exatamente o momento pelo qual agora ainda passamos. Frise-se: momento decisivo. Uma dessas opções que sabidamente não prestavam ganhou a eleição, e cá estamos nós na oposição. O que é real: se a outra tivesse ganho, certamente também estaríamos na oposição.

Não existe, e faz tempo, sequer um partido que nos represente – à essa parcela sobre a qual verso – de forma efetiva. Nos juntamos a um movimento aqui, outro ali, e vamos levando nossas bandeiras e plaquinhas quando achamos que devemos voltar às ruas. Entre nós, nos damos o direito de pensar diferente sobre vários temas. Civilizadamente.

Mas tudo tem limite, e em cinco meses de governo Bolsonaro, esse limite vem sendo ultrapassado perigosamente todos os dias, contrariando até o percentual que havia – pequeno, mas havia – de possibilidade que ele pudesse liderar alguma mudança razoável.

Acontece que ele e parte de sua equipe, esse governo masculino e pouco ilustrado – e mais os seus filhos e o tudo que resolveram representar – não é nem um pouco razoável. Querem governar cindindo, dividindo, estimulando o ódio, se metendo em aspectos particulares dos cidadãos, e que não lhes dizem respeito. Desrespeitam as mulheres, os jovens, os idosos, o bom senso, e atacam valores que essa nossa parcela, embora ainda pareça alheia, anestesiada, não pode demorar, precisará reagir.

Já está pairando no ar. No parlamento. Nas conversas. Chegando às ruas. Ainda de forma difusa, porque o verde e o amarelo foram assaltados. Basta ver algumas fotos e registros da manifestação em “favor” do governo da semana passada, muitas imagens vergonhosas e atos equivocados. Armas para todos? Censura? Repressão militar? Brigas religiosas? Fechamento do Congresso? Fim do STF? Terra é plana? Estudantes coagidos? Como assim acabar com reservas ambientais, abrindo-as para um turismo deletério, como se já não tivéssemos paraísos para os quais podemos chamar o mundo para conhecer? A lista é enorme; não cabe tudo aqui.

Não é por menos que as reformas não saem. Que os números só pioram. Esse grupo está passando dos limites, e a dita oposição – ainda grudada nas suas teorias de quanto pior, melhor – continua por aí, atônita e dispersa, ou quieta, ou ainda só gritando “Lula livre”.

Temo que estejamos no país como as ameaçadoras barragens lá de Minas Gerais, que todos os dias cedem um pouco a sua sustentação, e até mesmo isso esteja sendo visto como espetáculo, como uma novela, contada em centímetros, até que se rompa.

Essa parte da população brasileira a que me refiro está bem no caminho do deslizamento. Aliás, já vem sendo atingida e não só por ameaças. Precisa aparecer para se defender, e com unhas e dentes.

Não somos invisíveis.

(*) Marli Gonçalves, jornalista – Apareçam! Apresentem-se! Manifestem-se! Façam suas vozes também serem ouvidas.

São Paulo, junho de 2019

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