Agindo como ditador, Bolsonaro altera composição da Comissão de Mortos e Desparecidos Políticos

O filósofo grego Sócrates disse certa feita que “sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância”. Como é de conhecimento público, o presidente Jair Bolsonaro está a anos-luz de ser sábio, por isso desconhece os limites da própria ignorância, se é que ela possui algum limite.

Enfrentando os efeitos colaterais da própria verborragia, que, é bom lembrar, vem assustando inclusive assessores e aliados, Bolsonaro agora se vê às voltas com as consequências do ataque torpe que fez ao presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz.

Acreditando que recuar a essa altura dos acontecimentos seria se apequenar ainda mais – na verdade seria sinal de grandeza, que só os fortes conseguem – o presidente da República insiste na tese de que Fernando Santa Cruz, pai do líder da OAB, foi assassinado por integrantes do grupo de esquerda do qual fazia parte, durante a ditadura militar. Documentos oficiais mostram o contrário, mas estupidez ideológica de Bolsonaro o impede de aceitar a verdade.

Por conta dessa estultice, o presidente da República trocou quatro dos sete integrantes da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. A mudança ocorre uma semana após o colegiado declarar que a morte de Fernando Santa Cruz foi provocada pelo Estado.

A alteração na comissão foi publicada no “Diário Oficial da União” desta quinta-feira (1º), com a assinatura do presidente e da ministra Damares Alves (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”.

De acordo com Bolsonaro, a mudança ocorreu porque mudou o presidente da República. “O motivo [é] que mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles botavam terrorista lá [na comissão], ninguém falava nada. Agora mudou o presidente. Igual mudou a questão ambiental também”, afirmou o presidente na manhã esta quinta-feira, quando deixava o Palácio da Alvorada.

No último dia 24, atestado de óbito emitido pela comissão apontou que a morte de Fernando Santa Cruz se deu de forma “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro”.


Na segunda-feira (29), a reboque do seu conhecido descontrole, Bolsonaro afirmou que “um dia” contaria a Felipe Santa Cruz como aconteceu o desaparecimento do seu pai. É importante ressaltar que tal declaração tem dupla interpretação: ou é deboche revanchista ou é ameaça velada.

Algumas horas depois da estapafúrdia declaração, Bolsonaro afirmou, sem apresentar provas, que a morte não foi causada pelos militares, mas pelo “grupo terrorista” Ação Popular.

O presidente da OAB recorreu ao Supremo para que Bolsonaro explique a afirmação, pois na condição de chefe das Forças Armadas ele fala também em nome do Exército, responsável pelo desaparecimento de Fernando Santa Cruz.

Além do atestado de óbito emitido pela Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, relatório da Comissão Nacional da Verdade destaca que documentos da Marinha e da Aeronáutica apontam que Santa Cruz foi preso e desapareceu, em 1974, enquanto estava sob custódia das Forças Armadas.

A delinquência intelectual de Jair Bolsonaro chega a ser torpe, o que lhe dá a falsa sensação de que alterando a composição de um órgão de Estado conseguirá mudar a história. Colocar sofistas na Comissão para buscar uma falsa verdade que atenda aos anseios doentios do presidente é claro atentado à democracia.

Desqualificado e sem estofo para ocupar cargo de tamanha relevância, como a Presidência da República, Bolsonaro deveria descer do palanque e dedicar-se às questões de interesse da nação, antes que seu bestiário desague em um pedido de impeachment.

Por enquanto não há ambiente político para pedido de impeachment, até porque a política nacional está repleta de velhacos, mas é importante reconhecer que em termos legais já há motivo para requerer o impedimento de um governante que diuturnamente ameaça a democracia.

O decreto publicado nesta quinta-feira no Diário Oficial da União traz as seguintes alterações na composição da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos:

Marco Vinicius Pereira de Carvalho substitui Eugênia Augusta Gonzaga Fávero (atual presidente da comissão)
Weslei Antônio Maretti substitui Rosa Maria Cardoso da Cunha
Vital Lima Santos substitui João Batista da Silva Fagundes
Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro substitui Paulo Roberto Severo Pimenta