Dallagnol incentivou procuradores da Lava-Jato a investigarem Dias Toffoli, revelam mensagens

Diálogos atribuídos a procuradores da Operação Lava-Jato, obtidos pelo The Intercept Brasil e publicados nesta quinta-feira (1) pelo jornal Folha de S.Paulo. sugerem que o procurador Deltan Dallagnol incentivou seus colegas em Brasília e Curitiba a investigar de forma sigilosa, em 2016, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF).

À época, de acordo com a Folha, o atual presidente do STF começava a ser visto pelos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato como adversário disposto a frear o avanço da operação. As mensagens obtidas apontam que Deltan buscou informações sobre as finanças pessoais de Toffoli e sua mulher, Roberta Rangel, e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com a corrupção na Petrobras.

Segundo o jornal, ministros do STF não podem ser investigados por procuradores da primeira instância, como Dallagnol e demais integrantes da força-tarefa. A Constituição afirma que eles só podem ser investigados com a autorização do próprio tribunal, onde quem atua em nome do Ministério Público Federal (MPF) é o procurador-geral da República.

As mensagens sugerem que Deltan desprezou esses limites ao estimular uma ofensiva contra Toffoli e mostram que o procurador também recorreu à Receita Federal para obter dados sobre o escritório de advocacia da mulher do ministro. Dallagnol começou a manifestar interesse por Toffoli em julho de 2016, segundo a Folha, quando a empreiteira OAS negociava um acordo para colaborar com as investigações da força-tarefa em troca de benefícios para seus executivos.

Em 13 de julho daquele ano, Deltan consultou os procuradores que negociavam com a empresa. “Caros, a OAS trouxe a questão do apto do Toffoli?”, perguntou Deltan no grupo que eles usavam no aplicativo de troca de mensagens Telegram. “Que eu saiba não”, respondeu o promotor Sérgio Bruno Cabral Fernandes, de Brasília, acrescentando: “Temos que ver como abordar esse assunto. Com cautela.”

Duas semanas mais tarde, em 27 de julho, Deltan procurou Eduardo Pelella, chefe de gabinete do então procurador-geral, Rodrigo Janot, para repassar informações que apontavam Toffoli como sócio de um primo em um hotel no interior do Paraná. Dallagnol, porém, não indicou a origem da informação.

No dia seguinte, Deltan insistiu com o assessor de Janot. “Queria refletir em dados de inteligência para eventualmente alimentar Vcs”, escreveu. “Sei que o competente é o PGR [Procuradoria-Geral da República] rs, mas talvez possa contribuir com Vcs com alguma informação, acessando umas fontes.”

Deltan avança: “Vc conseguiria por favor descobrir o endereço do apto do Toffoli que foi reformado?”, perguntou. “Foi casa”, respondeu Pelella. O assessor de Janot informou o endereço a Deltan dias depois. Todas as mensagens são reproduzidas pela Folha com a grafia encontrada nos arquivos originais obtidos pelo The Intercept, incluindo erros de português e abreviaturas.

Em suas primeiras reuniões com procuradores da Lava-Jato em 2016, segundo a Folha, os advogados da OAS afirmaram que a empreiteira havia participado de uma reforma na casa de Toffoli em Brasília. Os serviços, prossegue a publicação, teriam sido executados por outra empresa indicada pela construtora ao ministro, e ele fora o responsável pelo pagamento.

O ex-presidente da OAS, José Adelmário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, afirmou ter tratado do assunto com Toffoli e era réu em vários processos da Lava-Jato, disse a seus advogados que não havia nada de errado na reforma, mas o caso despertou a curiosidade dos procuradores mesmo assim.

Interesses da Lava-Jato

O jornal afirma que nos meses anteriores duas decisões de Toffoli no STF haviam contrariado os interesses da Lava-Jato. O ministro votou para manter longe de Curitiba as investigações sobre corrupção na Eletronuclear e soltou o ex-ministro petista Paulo Bernardo, poucos dias após sua prisão pela equipe da Lava Jato, em São Paulo.

Na época, os procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos, ambos da força-tarefa de Curitiba, publicaram artigo na Folha criticando duramente a decisão de Toffoli. As mensagens obtidas pelo The Intercept não esclarecem se alguma investigação forma sobre o ministro do STF foi aberta, mas mostram que Deltan continuou insistindo no assunto mesmo depois que um vazamento obrigou os procuradores a recuar.

Em agosto, a revista Veja publicou reportagem sobre a reforma na casa de Toffoli, apontando a delação de Léo Pinheiro como fonte das informações. O vazamento, segundo a Folha, causou mal-estar no Supremo e levou a PGR a suspender as negociações com a OAS, para evitar uma crise que poderia prejudicar o andamento de outras investigações.

As mensagens mostram agora que esse rompimento provocou uma divisão na força-tarefa de Curitiba. Carlos Fernando defendeu a medida, mas Deltan achava que o recuo seria interpretado como uma tentativa de proteger Toffoli e o STF, impedindo a apuração de desvios.

“Qdo chega no judiciário, eles se fecham”, afirmou Deltan aos seus colegas em 21 de agosto, um dia após a reportagem sobre Toffoli chegar às bancas. “Corrupção para apurar é a dos outros.” Segundo a Folha, Carlos Fernando temia que os ministros do STF reagissem impondo obstáculos para novos acordos de colaboração e criando outras dificuldades para a Lava-Jato.

“Só devemos agir em relação ao STF com provas robustas”, escreveu. “O que está em jogo aqui é o próprio instituto da colaboração. Quanto a OAS e ao toffoli, as coisas vão crescer e talvez daí surjam provas.”

Algumas horas depois, o procurador Orlando Martello sugeriu que os colegas pedissem à Secretaria de Pesquisa e Análise (SPEA) da PGR um levantamento sobre pagamentos da OAS ao escritório da mulher de Toffoli.

“A respeito do Toffoli, peçam pesquisa para a Spea de pagamentos da OAS para o escritório da esposa do rapaz q terão mais alguns assuntos para a veja”, escreveu Orlando no Telegram. “Não é nada relevante, mas acho q da uns 500 mil”.


Em resposta ao colega, Deltan afirmou que a Receita Federal já estava pesquisando o assunto, mas disse que não sabia dos pagamentos que teriam sido feitos pela OAS. “A RF [Receita Federal] tá olhando”, escreveu o chefe da força-tarefa. “Mas isso eu não sabia”.

A Folha lembra que, dias após a publicação da reportagem sobre a delação da OAS, o ministro Gilmar Mendes saiu em defesa de Toffoli e do STF. Ele apontou ainda os procuradores da Lava Jato como responsáveis pelo vazamento, acusando-os de abuso de autoridade.

Deltan Dallagnol propôs aos colegas a divulgação de uma nota em resposta a Gilmar Mendes, mas não conseguiu apoio suficiente para a iniciativa. “Não acho que seja uma boa estratégia”, afirmou Pelella. “Isso tende a acirrar os ânimos no STF.”

Em seguida Deltan escreveu a Orlando Martello para ter novidades sobre a mulher de Toffoli. As pesquisas não pareciam ter avançado, e o chefe da força-tarefa sugeriu que o colega também procurasse informações sobre a mulher de Gilmar, Guiomar Mendes.

“Tem uma conversa de que haveria recebimentos cruzados pelas esposas do Toffoli e Gilmar”, escreveu Deltan. “Tem mta especulação. Temos a prova disso na nossa base? Vc teve contato com isso?”

Martello disse que não tinha nada que confirmasse as suspeitas, mas compartilhou com Deltan informações que recebera um ano antes sobre a atuação do escritório da mulher de Toffoli na defesa de outra empreiteira, a Queiroz Galvão, no Tribunal de Contas da União (TCU).

O informante de Martello, que ele não identificou na conversa com Deltan, dizia ter encontrado uma procuração que nomeava Toffoli e a mulher como representantes da empresa no TCU e sugeria que essa ligação obrigava o ministro a se afastar dos processos da Lava Jato.

A Folha afirma que Toffoli e a mulher foram sócios do mesmo escritório de advocacia até 2007, quando ele deixou a sociedade para assumir a chefia da Advocacia-Geral da União. Duas semanas depois do diálogo de Deltan com Martello, o jornal publicou matéria sobre pagamentos que um consórcio liderado pela Queiroz Galvão fez ao escritório em 2008 e 2011, no valor total de R$ 300 mil.

As mulheres de Toffoli e Gilmar foram mesmo alvo da Receita. Em fevereiro deste ano, o jornal O Estado de S. Paulo informou que elas fizeram parte de um grupo de 134 contribuintes investigados por uma equipe especial criada pelo fisco em 2017.

Outros alvos

A reportagem da Folha informa que Toffoli não foi o único alvo da Lava-Jato no âmbito da cúpula do Judiciário. As mensagens obtidas pelo The Intercept mostram que Dallagnol também usou a delação da OAS para tentar barrar a indicação de um ministro do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, para a vaga aberta no STF com a morte de Teori Zavascki em 2017.

Quando o nome de Martins apareceu na imprensa como um dos cotados para a vaga, Deltan procurou Eduardo Pelella para sugerir que o então procurador-geral (Janot) alertasse o presidente Michel Temer de que o magistrado era um dos alvos da delação de Léo Pinheiro.

“É importante o PGR levar ao Temer a questão do Humberto Martins, que é mencinoado na OAS como recebendo propina”, disse Deltan ao colega. “Deixa com ‘nós’”, respondeu Pelella.

O chefe da força-tarefa de Curitiba sugeriu que o assessor de Janot conferisse os documentos anexados pela OAS à sua proposta de colaboração, mas depois se lembrou de que a Lava Jato não recebera até então nenhum relato escrito sobre Martins.

Mesmo assim, Dallagnol insistiu com Pelella para que comunicasse o fato ao presidente da República. “Não tá nos anexos, mas iriam entregar. Só não lembramos se era corrupção ou filho… vou ver se alguém lembra e qq coisa aviso, mas já cabe a ponderação pq seria incompatível”, afirmou no Telegram.

Fazia cinco meses que as negociações com a OAS tinham sido encerradas. Como o acordo com a empreiteira não fora assinado nem homologado pela Justiça, as informações fornecidas por Léo Pinheiro durante as negociações não podiam ser usadas pelos investigadores, como determina a legislação.

O anexo com o relato sobre o ministro Humberto Martins só surgiu após a retomada das negociações, em março de 2017. Segundo o depoimento de Léo Pinheiro, a OAS pagou R$ 1 milhão a um filho do ministro em 2013 para obter decisão favorável no STJ. Martins afirmou à Folha que nunca atendeu pedidos da OAS e sempre se declarou impedido de julgar ações em que o filho atue.

Quando os procuradores voltaram à mesa de negociações com os advogados da OAS, Léo Pinheiro estava preso em Curitiba e se preparava para depor no processo que levou à condenação do ex-presidente Lula, envolvendo o apartamento triplex no Guarujá, no litoral paulista.

O acordo de colaboração premiada com o empreiteiro foi assinado no fim de 2018, mas até hoje não foi encaminhado pela procuradora-geral, Raquel Dodge, ao Supremo para a necessária homologação. Sem isso, Pinheiro não pode deixar a prisão e receber os benefícios acertados com a Lava-Jato. (Com agências de notícias)