Bolsonaro participa de evento em laboratório cujos diretores são réus por associação criminosa

Jair Bolsonaro foi eleito na esteira do discurso contra a corrupção e outros crimes, os quais o atual presidente da República credita a integrantes da esquerda, como se os direitistas fossem puros a ponto de fazer inveja a Dalai Lama. Entre os muitos ataques que Bolsonaro fez ao status quo político, a Lei Rouanet foi um dos alvos prediletos do atual inquilino do Palácio do Planalto.

O chefe do Executivo federal chegou a cogitar o fim da Lei Rouanet, que por enquanto apenas mudou de nome. Isso porque o governo cogita a possibilidade de recorrer à referida lei para algumas ações oficiais.

Nove entre dez brasileiros sabem que a assessoria presidencial é uma piada de péssimo gosto, mesmo que a maioria tenha dificuldades para admitir publicamente essa situação, mas beira o vexame os escorregões do staff palaciano.

Enquanto Jair Bolsonaro recorre à própria estupidez para dar sustentação aos seus discursos toscos e supostamente moralizadores, sua assessoria sequer se preocupa com os vexames que o presidente da República pode enfrentar em eventos oficiais.

Na terça-feira (6), Bolsonaro participou, em Itapira, no interior paulista, de evento de inauguração da nova planta de farmoquímica oncológica do Grupo Cristália. Como sempre, o presidente não perdeu a oportunidade de destilar seu moralismo tosco e rasteiro, mas mal sabia Bolsonaro que seu palavrório fez eco em cenário nada apropriado.

Não se trata de questionar a importância da nova empreitada do grupo empresarial, mas faz-se necessário relembrar detalhe comprometedor no âmbito das investigações.

Em 14 de dezembro de 2017, o Ministério Público Federal em São Paulo publicou na página eletrônica do órgão que denunciados por fraudes à Lei Rouanet tornaram-se réus.

Na ocasião, a Justiça Federal tornou réus 29 denunciados por desvios de mais de R$ 21 milhões em recursos públicos do Ministério da Cultura (Minc), obtidos por meio da Lei Rouanet, mas que não foram aplicados de acordo com o que determina a legislação específica.


Entre os réus estão os donos do Grupo Bellini Cultural, que liderava verdadeira organização criminosa envolvendo produtores culturais e produtores de eventos para captar dinheiro de empresas para a organização de eventos culturais, shows e edição de livros.

A Justiça determinou que as empresas envolvidas nas fraudes fiquem impedidas de captar recursos por meio da Lei Rouanet até o final da ação penal. Funcionários das companhias, que participaram do esquema criminoso, estão entre os réus.

No rol de patrocinadores que participaram do desvio de recursos públicos, segundo denúncia do MPF acatada pela Justiça, estão Odilon José da Costa Filho e Ogari de Castro Pacheco (à direita na foto), ambos do Grupo Cristália, acusados de associação criminosa e estelionato contra a União. A empresa, por ocasião dos fatos, negou envolvimento no esquema criminoso.

A procuradora da República Karen Louise Kahn, que comandou as investigações e denunciou os envolvidos, disse que “as empresas ganhavam duplamente na medida que eram beneficiadas com as deduções de imposto de renda. Além disso existia a contrapartida para que elas patrocinassem os projetos”. A produtora cultural, segundo o inquérito, chegava a devolver parte do valor captado aos diretores das empresas como gratificação por ter financiado suas propostas.

Considerado pelos investigadores como um dos beneficiários do esquema, Odilon Costa Filho, à época diretor do Cristália, autorizou patrocínio de projeto que previa três shows da Orquestra Sinfônica Nacional, cujo objetivo era popularizar a música instrumental.

Contudo, o MPF afirmou que os recursos custearam um show do grupo Jota Quest em congresso de anestesiologia em 2014, na capital pernambucana. A Orquestra Sinfônica Nacional também se apresentou nesse evento privado patrocinado pelo Cristália.

Quem é Ogari de Castro Pacheco?

Dos 54 senadores eleitos em 2018 e que tomaram posse em 1º de fevereiro passado, nove recorreram ao velho hábito da política nacional: indicar empresários endinheirados para a suplência, como forma de garantir o financiamento da própria campanha.

Um desses endinheirados é Ogari de Castro Pacheco (DEM-TO), sócio-fundador do Grupo Cristália e 2º suplente do senador Eduardo Gomes (MDB-TO). Como contrapartida, após a dinheirama que despejou na campanha do senador tocantinense, o dono do Cristália ganhou um “subgabinete” no Senado Federal.

Ogari Pacheco, que em Itapira esteve ao lado de Bolsoanro (foto acima), e mais sete executivos do Grupo Cristália investiram R$ 2,1 milhões na candidatura de Eduardo Gomes, o que representa 87% do total arrecadado pela campanha.

Assessoria inepta

Que o governo Bolsonaro é movido pelo improviso todos sabem, mas o presidente precisa urgentemente cobrar mais atenção por parte dos assessores, caso queira evitar situações constrangedoras que contrariam sua insana verborragia.

Segundo reza a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVII, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ou seja, prevalece a presunção da inocência, mas, em se tratando de um governante que agarra-se ao falso moralismo, o melhor é ressuscitar o ditado popular que remonta ao Império Romano: “à mulher de César não basta ser honesta, mas parecer honesta”.