Desautorizado por Bolsonaro, ministro da Justiça adota silêncio que incomoda a cúpula da Polícia Federal

Versão mambembe de “Batman de camelô”, o agora ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) foi alçado ao panteão dos heróis nacionais por aqueles que entendem que um servidor público, régia e nababescamente remunerado, merece loas e honrarias.

Após abandonar 22 anos de magistratura, decisão tomada à sombra de um ousado projeto de poder, Moro chegou à Esplanada dos Ministério acreditando ser o Don Quixote dessa república bananeira chamada Brasil. Os dias de glória duraram pouco e o discurso moralista implodiu logo de saída. O algoz dos corruptos precisou mudar a oratória para conviver com os corruptos que integram o governo Bolsonaro, sem contar as estripulias do filho do presidente e de Fabrício Queiroz.

De fiador de um governo que emergiu da areia movediça das promessas, Moro passou a depender de um presidente populista, tosco e despreparado. Crente que em algum momento seria indicado a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) – a indicação fazia parte do acordo entre ambos –, o ministro da Justiça foi obrigado a aceitar o esfarelamento de seu projeto, abrindo caminho para constantes “frituras políticas” por parte do chefe do Executivo.

A mais recente chamuscada sofrida por Moro teve como nascedouro a declaração de Bolsonaro sobre possível troca no comando da Polícia Federal. Na quinta-feira (22), o presidente da República disse a jornalistas que cabe a ele, não ao ministro da Justiça, substituir o diretor-geral da PF, caso necessário. “Se eu trocar hoje, qual o problema? Está na lei que eu que indico e não o Sérgio Moro. E ponto final”, disse o presidente ao comentar a possível substituição de Maurício Valeixo, diretor-geral da PF.

A afirmação de Bolsonaro não caiu bem na cúpula da PF, transformada em palco de intifada silenciosa dos delgados federais, que agora cobram definição de mandato para o posto de diretor-geral da corporação.

Que Jair Bolsonaro age como verdadeiro ditador ao ingerir de forma recorrente em órgãos federais todos sabem, mas isso encontra explicação no fato de o presidente estar preocupado com a possibilidade de ser revelada a farsa política que gravita na órbita da própria família. E querer controlar órgãos fiscalizadores pode ser uma solução, pelo menos no pensamento tosco de Bolsonaro.


Todavia, causa estranheza o silêncio do ministro Sérgio Moro, que já foi aconselhado por pessoas próximas a deixar o governo o quanto antes, mas prefere enfrentar o vexame para permanecer no cargo. O ministro precisa do foro privilegiado decorrente do cargo, pois do contrário será presa fácil de possível demanda judicial sobre sua conduta à frente das ações penais frutos da Operação Lava-Jato. Diálogos entre Moro e integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, revelados pelo site The Intercept Brasil, colocaram o ex-juiz na berlinda, apesar do apoio que tem de parte da opinião pública.

A não reação de Sérgio Moro provocou mal-estar na cúpula da Polícia Federal, que a qualquer momento poderá criar situação de constrangimento para o ministro da Justiça. Aliás, a agitação nos bastidores da PF começou dias antes, quando Bolsonaro afirmou que o superintendente do órgão no Rio de Janeiro, delegado federal Ricardo Saadi, seria substituído por problemas de “gestão e produtividade”.

“Todos os ministérios são passíveis de mudança. Vou mudar, por exemplo, o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Motivos? Gestão e produtividade”, afirmou o presidente.

Na verdade, a saída de Saadi do comando da PF no Rio de Janeiro era tratada desde a metade do primeiro semestre deste ano, sendo que seu substituto – Carlos Henrique Oliveira, já tinha sido escolhido por Maurício Valeixo.

O presidente disse aos jornalistas, na última sexta-feira (16), que o substituto de Saadi seria um delegado federal que atua no Amazonas, ao passo que Oliveira desempenha suas funções no estado de Pernambuco.

A Superintendência da PF no Rio passa por momento de turbulência, pois existe no órgão investigação sigilosa sobre a atuação do ex-policial militar Fabrício Queiroz e do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O que pode explicar o rompante do presidente da República, que em situações de dificuldade mostra-se extremamente autoritário. Para quem se elegeu na esteira do discurso do implacável combate à corrupção, Bolsonaro é “mais do mesmo”.