Ao rejeitar denúncia contra Lula e o irmão, Justiça reforça a tese de que o ônus da prova cabe ao acusador

A Justiça Federal rejeitou, na segunda-feira (16), denúncia apresentada pela força-tarefa da Lava-Jato em São Paulo contra o ex-presidente Lula e seu irmão, José Ferreira da Silva, o Frei Chico, sob a acusação de corrupção passiva.

O juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal em São Paulo, afirmou que a denúncia é “inepta” e baseada em “interpretações e um amontoado de suposições”. Ele também concluiu não haver prova de que Lula, enquanto presidente, “foi consultado, pediu, acenou, insinuou, ou de qualquer forma anuiu ou teve ciência dos subsequentes pagamentos feitos a seu irmão”.

O Ministério Público Federal (MPF), que recorrerá da decisão, alega que pagamentos mensais de R$ 3 mil a R$ 5 mil feitos pela Odebrecht a Frei Chico, entre 2003 e 2015, seriam parte de um “pacote de vantagens indevidas” oferecidas pela empreiteira em troca de benefícios junto ao governo federal.

Os pagamentos foram relatados à Lava-Jato em 2017, na delação premiada de Alexandrino Alencar, ex-executivo da Odebrecht. Frei Chico, sindicalista do setor de petróleo, começou a prestar consultoria sindical à empreiteira nos anos 1990 para intermediar conversas entre a empresa e sindicatos de trabalhadores.

De acordo com Alencar, os pagamentos a Frei Chico, até a eleição de Lula, eram feitos por meio de uma empresa de prestação de serviços, com emissão de nota fiscal. A partir da eleição do petista, os pagamentos passaram a ser feitos sem nota, em dinheiro vivo, para “preservar o presidente e a companhia” e “manter uma boa relação com o então presidente”.

O advogado de Frei Chico, Júlio César Fernandes Neves, afirmou que seu cliente “prestava serviço para a Odebrecht desde o tempo do governo FHC” e que a denúncia era uma “clara perseguição” ao irmão através de um parente do ex-metalúrgico.


A defesa de Lula afirmou que o ex-presidente jamais ofereceu vantagens indevidas à Odebrechet e que a denúncia “não descreve e muito menos comprova qualquer ato ilegal praticado pelo ex-presidente”.

“O uso de processos criminais e a repetição das mesmas e descabidas acusações em processos diferentes comprova que Lula é vítima de ‘lawfare’, que consiste no abuso das leis e dos procedimentos jurídicos para promover perseguições política”, destaca a nota assinada pelo advogado do petista, Cristiano Zanin Martins.

Em 2017, Lula afirmou: “Eu nunca dei R$ 1 pro meu irmão Frei Chico, porque ele nunca precisou, nunca pediu pra mim. Olha, se a Odebrecht resolveu dar R$ 5 mil pro meu irmão, é problema da Odebrecht. Por que é que tem que colocar o meu nome nisso?”

Em nota, o Ministério Público Federal afirmou que a decisão de Mazloum de rejeitar a denúncia tem “erros graves”: “A Força Tarefa da Lava Jato em São Paulo ainda não foi intimada da decisão da 7ª Vara Federal Criminal que rejeitou denúncia contra o ex-presidente Lula, seu irmão Frei Chico, e executivos da Odebrecht. Contudo, pelo que foi noticiado, a decisão contém erros graves, e por isso o MPF adianta, desde logo, que vai recorrer ao TRF-3, confiando que a rejeição será revertida e o processo aberto pela Justiça Federal Paulista.”

O MPF cumpre seu papel ao oferecer denúncias contra investigados, mas isso só pode acontecer à luz de provas, sejam apresentadas pelo delator ou obtidas pelos investigadores a partir de subsídios fornecidos pelo colaborador. No Direito, principalmente no âmbito penal, o ônus da prova cabe a quem acusa, ou seja, não é responsabilidade do acusado provar sua inocência. Além disso, delação não é prova, mas meio de prova.

Que os governos petistas foram marcados por seguidos atos de corrupção é fato notório, mas é preciso provas para acusar, julgar e eventualmente condenar alguém. Denunciar com base no “achismo” e na interpretação forçada dos fatos é dar guarida ao justiçamento.