Bolsonaro tenta colocar “panos quentes” na declaração do filho que configurou ameaça à democracia

Enquanto esteve internado em hospital da capital paulista, o presidente Jair Bolsonaro poupou os brasileiros de declarações absurdas, muitas das quais lançadas ao vento para fomentar a polêmica que embala um governo que ainda não mostrou a que veio.

Após alta médica, Bolsonaro retornou a Brasília e recolocou em marcha seu destampatório, o que serve para manter unido a militância radical, ao mesmo tempo em que anestesia o inconsciente coletivo diante da modorrenta adoção de medidas por parte do presidente e seus principais assessores.

Na segunda-feira (16), em entrevista à Rede Record, o presidente defendeu o filho Carlos Bolsonaro no caso da declaração que representou uma ameaça à democracia. Há dias, o “02”, como é conhecido o licenciado vereador carioca, publicou em uma rede social a seguinte frase: “por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”.

Como de costume, Carlos Bolsonaro perdeu o controle e mais uma vez atacou a imprensa, acusada de enfrentar problemas de interpretação. Não é preciso nenhuma dose extra de raciocínio para compreender o estrito significado da polêmica frase, mas a família do presidente não demorou a sair em defesa do responsável pela estratégia digital de Bolsonaro.

Na entrevista concedida à Record, Jair Bolsonaro minimizou a declaração do filho e afirmou que nada de errado há na publicação. Na verdade, o presidente disse que Carlos Bolsonaro apenas retratou a realidade do ambiente democrático, como se a postagem não fosse um convite escancarado para a militância bolsonarista radicalizar ainda mais as ações.

“Ele tem razão. Se fosse em Cuba ou na Coreia do Norte já não teriam aprovado tudo e qualquer reforma sem parlamento? Demora, porque tem a discussão. Isso é natural”, disse o presidente ao defender o filho.


“Ele até falou o óbvio. Se estivesse na aula de português, no meu tempo de garoto, ia falar que isso é uma figura de linguagem conhecida como pleonasmo abusivo. O leite é preto (sic), o leite é branco, o café é preto. O gelo é gelado”, emendou Bolsonaro.

“Uma coisa óbvia que nem deveria dar essa repercussão toda que se teve. Teve obviamente porque é meu filho. Se fosse uma outra pessoa, não teria problema nenhum”, avançou o chefe do Executivo.

“Pelo amor de Deus. Alguma manifestação minha? Dizendo que a democracia não pode ser feita diferente? O presidente sou eu. Não tem nada disso. Tudo nós temos procurado o parlamento. Logicamente, tenho minhas críticas ao Parlamento. O Parlamento tem para comigo. Gostaria que fosse mais rápido, por questões obvias. Eu acho que o Carlos até se equivocou. Está sendo rápido demais no governo Bolsonaro”, finalizou.

Que o presidente da República é movido pelo revanchismo ideológico o mundo já sabe, mas essa defesa intempestiva e atrasada tem como objetivo evitar dividendos negativos, já que cresce de maneira insistente o número de brasileiros descontentes com o governo. E uma ameaça velada à democracia é motivo para aumentar a desconfiança.

Bolsonaro tem o direito à livre manifestação do pensamento, garantido a todo cidadão, mas querer deformar o conceito da frase publicada pelo filho é ignorar a reação de vários setores da sociedade e do Estado. Dentro e fora do governo, passando pelos Poderes Legislativo e Judiciário, a afirmação de Carlos Bolsonaro recebeu duras e contundentes críticas, inclusive de integrantes do governo.

Além disso, o Brasil precisa urgentemente reconquistar a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros, o que não acontecerá com essas seguidas demonstrações de desapreço pela democracia e pelo Estado de Direito. Não se pode esquecer que outro filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, disse no ano passado que para fechar o STF seriam necessários apenas um soldado e um cabo.