Bolsonaro pode usar recomendação médica como justificativa para não participar da Assembleia da ONU

Antes de ser submetido a cirurgia, em hospital da capital paulista, para correção de hérnia abdominal, o presidente Jair Bolsonaro disse a jornalistas, no momento em que deixava o Palácio da Alvorada, que iria a Nova York, para a abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), mesmo que em maca ou cadeira de rodas.

Enquanto o discurso ufanista de Bolsonaro repercutia na imprensa, assessores palacianos avaliavam as possibilidades de o presidente brasileiro ser alvo de alguma retaliação por parte de representantes de outras nações, durante discurso de abertura da Assembleia. Isso porque, nas últimas semanas, Bolsonaro abusou da deselegância e da diplomacia rasa para rebater algumas críticas feitas por governantes estrangeiros à crise ambiental que se formou a partir das queimadas na Amazônia.

Desde 1947, quando o então ministro Oswaldo Aranha discursou na ONU, um presidente brasileiro, por tradição, faz o discurso de abertura da Assembleia-Geral. Daquele ano até hoje, muitos presidentes discursaram na sede da ONU, com direito a declarações relevantes e outras nem tanto. E no caso de Bolsonaro deverá prevalecer o segundo cenário, já que a política internacional do governo é de confronto, não de diálogo.

Analisando as recentes declarações de Jair Bolsonaro sobre o meio ambiente e a crise gerada pelas queimadas, não se deve esperar um discurso coerente, caso a viagem presidencial seja confirmada. A cautela em relação ao discurso deve-se ao fato de que o presidente pretende defender a soberania do Brasil em relação à Amazônia, que em momento algum foi ameaçada. Além disso, o Brasil abriga 60% da extensão da maior floresta tropical do planeta, o que não é pouco, mas outras nações também participam dessa “divisão”.


Sem ter como cumprir as muitas e absurdas promessas de campanha, Bolsonaro insiste na radicalização, algo que pretende levar ao cenário internacional como forma de reforçar o apoio de parcela da opinião pública brasileira a um governo que ainda não mostrou a que veio. Prova desse desejo de radicalizar é a consulta feita por integrantes do governo brasileiro a Steve Bannon, ex-estrategista do governo Trump, sobre o tom do discurso de Bolsonaro na ONU. Ou seja, radicalização na certa

Para os médicos que cuidam da saúde do presidente da República desde o ataque a faca em Juiz de Fora (MG), em setembro do ano passado, a viagem a Nova York deve ser descartada. Bolsonaro, por sua vez, insiste em viajar de qualquer maneira, pois sua ausência no evento poderia ser explorada negativamente em termos políticos.

Se por um lado a sabedoria popular afirma que “quem não é visto não é lembrado”, por outro, levando-se em conta o cenário de constrangimento que pode surgir durante a 74ª Assembleia-Geral da ONU, o melhor para o Brasil é que Bolsonaro escolha alguém comedido para representá-lo no evento, usando a recomendação médica como justificativa.

Que ninguém pense ser a política do confronto a melhor estratégia para relações internacionais nos dias de hoje. Quem opta por esse caminho precisa estar ciente da possibilidade de fracasso e preparado para as inevitáveis consequências. Afinal, aliados internacionais, a depender do cenário e dos interesses, desaparecem como éter no ar.