De Lula livre a Lula preso

(*) Carlos Brickmann

Há quem diga que no Brasil nada muda, que tudo é sempre igual. Muda, sim: o grito de guerra dos cumpanhêro, a partir do momento em que a Lava Jato pediu que a pena de Lula progrida para o regime semiaberto, deixou de ser Lula Livre. Agora, seguindo as ordens do ex-presidente, é Lula Preso.

Lula disse que não aceita a progressão de pena. Garante que só sai quando seu julgamento for anulado e ele puder deixar a prisão como inocente que foi injustiçado. Que pode acontecer? Não se sabe exatamente. O procurador Deltan Dallagnol acha que Lula, como qualquer presidiário, tem de cumprir a pena como lhe for imposta. O presidente Bolsonaro acha que, se Lula não quiser trocar a prisão por regime semiaberto, tem o direito de ficar preso.

É briga boa: não há muitos casos semelhantes que orientem a solução do atual. Não há, dizem juristas, nenhuma determinação específica na lei. Logo, há campo para uma batalha de interpretações – uma coisa meio maluca, bem Brasil, em que os adversários de Lula querem libertá-lo e seus seguidores querem mantê-lo preso. Lula joga no futuro: quer sair da prisão perto das eleições, na condição de vítima. Mas há vários futuros possíveis: se for condenado em outros processos, e há vários, fica por longo prazo em regime fechado, perdendo a liberdade parcial, e sem disputar eleição alguma.

A Lava Jato vem sendo podada pelo Supremo, pelo Congresso e também por Bolsonaro. Mas há muitos tiros disparados. Se um acertar, Lula não sai.

O dia D

O Supremo deve concluir hoje a votação do caso dos depoimentos dos réus em caso de delações premiadas. Já há maioria formada em favor de dar aos réus delatados o direito de depor por último, como se os réus delatores fossem assistentes da acusação. Mas que é que isso significa?

Não é bem assim

Há consenso no Supremo de que não há condições de anular todos os julgamentos em que os réus delatados não foram os últimos a depor. Os ministros falam em “modular” o alcance das decisões. Podem, por exemplo, decidir que a decisão valha apenas em casos futuros. Ou que seja aplicada nos casos em que a defesa recorreu. De qualquer forma, o julgamento não envolve Lula: no caso em que foi condenado, o do apartamento no Guarujá, nada existe que possa ser alterado por essa decisão do Supremo.

Quem perde

Com uma decisão do Supremo exigindo que os réus delatados tenham o direito de depor por último, quem perde é a Lava Jato. O procurador Deltan Dallagnol acha que haverá um grande retrocesso no combate à corrupção. Há quem diga que as alegações finais dos réus não trazem, a rigor, nada de novo ao caso.

Mas, se não houvesse prejuízo para a acusação, Dallagnol não estaria tão bravo, nem seus adversários tão exultantes. Junte-se a isso o livro e as entrevistas do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, que uniram alas que sempre criticaram os métodos da Lava Jato mas não se entendiam, e surge um quadro de enfraquecimento da operação. Mesmo os ministros do STF mais favoráveis à Lava Jato se solidarizaram com as medidas para enquadrar Janot. Nenhum deles quer tiroteio dentro de seu local de trabalho.

Por que?

Esqueça a história de que o ex-procurador Rodrigo Janot contou a história de que quis matar Gilmar Mendes porque queria vender livros. Primeiro, é difícil ganhar dinheiro com livros. Tirando o pessoal da autoajuda, Fernando Morais, Paulo Coelho, não se ganha dinheiro vendendo livros. Segundo, o livro de Janot foi amplamente distribuído, de graça, pela Internet. Também é bobagem imaginar que ele tenha levantado a história para sofrer uma busca e apreensão, que entregaria à Federal seus arquivos e conversas telefônicas, nos quais haveria coisas comprometedoras contra adversários políticos. Se quisesse dar à Federal as informações, bastaria copiar o que quisesse em pendrives aos quais, para usar a frase habitual, “a Polícia teria acesso”.

Adivinhar os motivos de Janot é ainda muito difícil. Um palpite: sentiu a falta dos holofotes e confessou algo que nem crime é, mas teria repercussão. Mas saberia que iriam vasculhar sua vida para achar algo comprometedor. Já sabemos até que ele sua e equipe bebiam em serviço. Está no livro.

Cervejinha

A reforma da Previdência passou em primeiro turno e o ministro Onyx Lorenzoni acha que estará tudo concluído até o dia 10. Mas o senador Major Olímpio, líder de Bolsonaro, adverte: se as demandas dos senadores não forem atendidas, a reforma para. Não é coisa pequena: fala-se que os pedidos custarão algo como R$ 3 bilhões. O Governo concordou em atender os parlamentares, mas não liberou as verbas. E eles sabem que, se a reforma for aprovada sem que as verbas tenham saído, vão todas para a cesta seção.

É briga de profissionais: ninguém mais quer promessas, cada um está à espera do naco de carne que foi combinado. Sem carne, não há reforma que ande.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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