Óleo nas praias, pasmaceira oficial e revanchismo ideológico

(*) Ucho Haddad

Sou do tempo em que era comum ouvir “o Brasil é o país do futuro”. Esse quase mantra conseguiu me convencer por alguns parcos anos, mas o meu precoce interesse pela política acabou desmontando a tentativa torpe dos truculentos protagonistas da ditadura militar de anestesiar o pensamento coletivo com frases de efeito. Não foi preciso muito tempo para perceber que o tal “futuro” demoraria a chegar. Para meu desespero, o mencionado futuro continua se distanciando cada vez mais da realidade, que, vale ressaltar, é duríssima.

Como se não bastasse, em meio à barafunda que tomou conta da sociedade, surgiu o tal “jeitinho brasileiro”. O antropólogo Roberto DaMatta, em sua obra “O que faz o Brasil, Brasil?”, apresenta interessante paralelo entre o comportamento de brasileiros e norte-americanos diante das leis e das instituições. É verdade que o Direito brasileiro difere do vigente na terra do Tio Sam, mas respeito à legislação é condição “sine qua non” para que um povo consiga existir como nação.

No livro, DaMatta explica que a postura formal e respeitadora dos americanos em relação às instituições e às leis provoca espanto nos brasileiros, como se fosse possível existir de qualquer jeito e continuar sonhando com uma sociedade justa. DaMatta ressalta em sua obra ser tolice creditar ao baixo nível da educação o comportamento do brasileiro, que na minha opinião é emoldurado pela irresponsabilidade. Diante desse quadro, o Estado, como um todo – inclusos seus agentes –, passou a existir de forma amadorística, por mais que pareça o contrário.

O título da obra de Roberto DaMatta é tão sugestivo quanto instigador, além de permitir dupla interpretação: os ingredientes que fazem uma nação que continua apostando no “deixa a vida me levar”, como canta Zeca Pagodinho, e o que de fato o Brasil fez, faz e fará. Eis as questões!

O jornalista José Simão, sempre bem-humorado, afirma que “o Brasil é o país da piada pronta”. Se considerarmos como linha do tempo desde 1500 até hoje, o Brasil é maior anedotário da história da Humanidade. A reboque do pensamento cartesiano e pragmático, entendo que o Brasil é o “paraíso do faz de conta”, expressão que inúmeras vezes usei em matérias jornalísticas e artigos – e continuarei usando. Não se trata de querer jogar a toalha, mas é preciso reconhecer que essa república bananeira em que vivemos é uma incansável catapulta de gambiarras.

Esse status depreciativo foi assimilado de maneira célere pelo Estado, que passou a agir com a mesma irresponsabilidade, não se importando com a dinheirama que surrupia diuturnamente de cada incauto cidadão. Tomando por base que estamos a tratar do Brasil, não haveria como ser diferente, pois o brasileiro tornou-se presa fácil do binômio “pão e circo”. E é nessa fórmula criminosa que o Estado se apoia para manter o “faz de conta”.

Em 2018, a maioria dos brasileiros foi às urnas eleitorais para votar contra, sem pensar que era preciso votar a favor de algo. Longe de querer defender o status quo de antes, pelo contrário, mas é importante reconhecer que a promessa de fazer tudo novo e de um jeito diferente não passou de discurso visguento de candidato oportunista. Durante meses a fio, fui atacado por ser crítico ao governo que se debate para emplacar, sem sucesso, alguma medida que mude minimamente a vida do cidadão.

Como conversa fiada e populismo barato não pagam contas nem enchem barriga, a realidade começa a se apresentar como realmente é: horrível e impiedosa. No Brasil, o picadeiro da política é marcado pela rotatividade das quadrilhas, que se revezam a reboque de muito dinheiro e falsos discursos. Contudo, como o radicalismo direitista está momentaneamente por cima, tudo é possível e permitido, desde que os adversários ideológicos sejam aviltados ou aniquilados.

O melhor exemplo desse “faz de conta” é a falta de ação por parte do governo Bolsonaro diante do derramamento de óleo que afetou, por enquanto, mais de 200 praias no Nordeste. Ao longo de quase dois meses, o governo foi incapaz de tomar ao menos uma medida para evitar o desastre ambiental que demorará décadas para ser revertido, caso seja possível.

Movido pelo revanchismo ideológico, até porque não sabe ser diferente nem tem competência para tal, Jair Bolsonaro está preocupado com a origem do petróleo derramado no oceano e que chegou à costa brasileira, provocando transtornos dos mais diversos a milhões de pessoas. Com a constatação preliminar de que o óleo que espalhou nódoas em praias do País é venezuelano, Bolsonaro não perdeu a oportunidade de, por vias transversas, mais uma vez atacar a esquerda. Depois de sua fracassada tentativa de derrubar Nicolás Maduro, o tiranete que levou a Venezuela à débâcle, o mandatário brasileiro quer provar que só a direita xucra representa a salvação.

A delinquência intelectual que marca o governo é tamanha, que Ricardo Salles, o inoperante de plantão, continua ministro do Meio Ambiente. Em qualquer país com doses rasas de responsabilidade, Salles já estaria demitido, talvez preso. Aliás, em países sérios Ricardo Salles sequer teria chegado o posto de ministro de Estado.

Tal e qual o presidente da República, Ricardo Salles é um gazeteiro profissional que usa o discurso fácil para criar zonas de conflitos e patrocinar embates acalorados, nos quais prevalece a obsessão por desmantelar a esquerda e exaltar um governo pífio e cômico que até o momento não mostrou a que veio.

Quando afirmei que Bolsonaro não passava de um incompetente disposto a levar o Brasil ao retrocesso, muitos reagiram com fúria, como se, após décadas de jornalismo, desconhecesse a realidade. Porém, de um político que passou 28 anos no Parlamento sem produzir algo em prol do País não se pode esperar ações propositivas e positivas apenas porque subiu a rampa do Palácio do Planalto com pompa e circunstância.

Incomodada com a inoperância palaciana, a população resolveu sair do conforto e colocar a mão na massa, quer dizer, colocar a mão no óleo. Recolher o petróleo que chegou às praias nordestinas na base do improviso e sem o devido conhecimento dos efeitos colaterais que o produto pode causar é no mínimo uma irresponsabilidade endossada pelo governo, que assiste a tudo sem mexer um músculo. Se o petróleo derramado no oceano é capaz de desintegrar as embalagens plásticas em que foi acondicionado pelos voluntários, é de se imaginar o que pode acontecer em contato com a pele.

Enquanto esse espetáculo patético tomava conta do noticiário, autoridades se debruçavam sobre a divisão dos recursos da chamada “cessão onerosa”. Em momento algum se preocuparam com a adoção de medidas urgentes para conter ou minimizar o desastre ambiental que conta com a complacência do governo Bolsonaro.

Ora, se o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC), criado em 2013 e que estabelece o modus operandi em casos de desastres ecológicos provocados por derramamento de petróleo e derivados, não foi acionado quando a primeira mancha foi vista no litoral brasileiro, não é alarmismo imaginar o que pode acontecer se um acidente ocorrer em alguma das muitas plataformas petrolíferas espalhadas pela costa brasileira.

O ministro do Meio Ambiente, que deveria ter tomado a frente dos trabalhos de contenção e montado um gabinete de crise, preferiu se dedicar a discussões pícaras com governadores do Nordeste e ONGs, como é o caso do Greenpeace. Traduzindo para o bom e velho idioma da Botocúndia, o negócio é defender com unhas e dentes o indefensável.

Assim como ouvi na infância que o Brasil é o país do futuro, sem acreditar nesse palavrório, classifiquei como embuste de ocasião o discurso bolsonarista de que a partir de 1º de janeiro passado tudo seria diferente. Em suma, o futuro não chegou e a alardeada diferença ainda não se apresentou. Alguém há de dizer que é preciso dar tempo ao presidente, mas como dizia o sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho, “quem tem fome, tem pressa”.

Para finalizar, se o petróleo que manchou e empesteou as praias nordestinas fosse originário de uma ditadura direitista, mesmo que travestida, a ordem seria colocar panos quentes. Como descobriu-se que o petróleo é venezuelano, ou seja, tem o carimbo da criminosa ditadura bolivariana, a ordem é colocar lenha na fogueira. Enquanto isso, Bolsonaro e seus rebentos estão ocupados com a instalação de uma monarquia. “Vade retro satana!”

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.

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