Proposta do governo que pode extinguir 1,2 mil municípios atropela cláusula pétrea da Constituição

Chega a ser assustadora a forma amadorística e irresponsável como o governo do presidente Jair Bolsonaro trata as questões do Estado brasileiro. Como se o Brasil fosse uma entidade “luparanesca” qualquer, Bolsonaro continua recorrendo ao populismo barato para alimentar a sanha de seus apoiadores, ao mesmo tempo em que atropela de maneira recorrente a Constituição Federal.

No projeto de reforma do Pacto Federativo enviado pelo governo ao Congresso Nacional na terça-feira (5), com direito, por enquanto, a três Propostas de Emenda à Constituição (PEC), Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, buscam decretar a extinção de aproximadamente 1.200 municípios com menos de 5 mil habitantes e desprovidos de autossuficiência financeira. A regra é que deverão ser incorporados por outros municípios aqueles que não comprovarem arrecadação de impostos equivalente a 10% das receitas totais.

Como afirmou o UCHO.INFO em matéria anterior, o Estado brasileiro, como um todo, precisa ser repensado, até porque muitos municípios foram criados nos últimos anos para atender a interesses políticos e eleitorais, mas é importante que essa reestruturação aconteça com a necessária responsabilidade e à sombra da legislação vigente no País. Ou seja, que essa proposta não sirva apenas para “vender” à opinião pública uma aura de austeridade do presidente da República, que se assim fosse não insistira em blindar os próprios filhos.

A exemplo do que ressaltamos em matéria publicada na edição de terça-feira (5), a PEC que altera o Pacto Federativo tem ingredientes de sobra para acabar no Supremo Tribunal Federal (STF), já que a proposta desrespeita a Constituição, sendo que um dos pontos alvo do aviltamento oficial é cláusula pétrea, portanto sem possibilidade de ser alterada. Trata-se do artigo 1º da Carta Magna, que estabelece o seguinte:

Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.”


O texto constitucional é claro ao definir no artigo 18 (caput) da Carta que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

Não obstante, o parágrafo 4º do mesmo artigo (18) define o que segue: “A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei”.

Em suma, não há como alterar o Pacto Federativo, como deseja o governo, sem a realização de consulta prévia à população de cada município ameaçado de banimento e realização de plebiscito. Para quem conhece o modus operandi do Parlamento federal, essa proposta poderá, em tese, naufragar, não se antes fazer escala no Supremo.

É inadmissível que o governo envie ao Congresso um projeto que ignora a Constituição, a qual o presidente da República, ao tomar posse no cargo, prometeu respeitar e cumprir. É sabido que muitos dos que ocuparam a Presidência anteriormente sequer se preocuparam com o texto constitucional, mas é importante ressaltar que um povo só passa a existir como nação no momento em que aceita viver debaixo de um ordenamento legal, cujo ápice e a Carta Magna.

Ainda na questão do desrespeito à Constituição, o governo de Jair Bolsonaro simplesmente ignorou as chamadas “cláusulas pétreas”, as quais estão explicitadas no artigo 60 (Emendas à Constituição) da própria Carta, parágrafo 4º, inciso I: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado”.

Resumindo, ou brasileiro acorda para a realidade e deixa de apostar nas sandices que descem a rampa do Palácio do Planalto, ou o Brasil assume de uma vez por todas o status de “terra sem lei”. Afinal, de populismo barato e pretendentes ao cargo de ditador o povo está cansado.