Sociedade que clama por mudanças na política e defende o desrespeito à lei atira no próprio pé

Até quando o brasileiro deixará de enxergar o óbvio? Defender o desrespeito à lei como forma de garantir o justiçamento, um dos vieses do revanchismo ideológico que domina parte da sociedade, é uma arma que se ergue contra os mesmos que clamam por mudanças na política.

Durante meses a fio, o UCHO.INFO, assim como seu editor, afirmou que a perseguição ideológica se voltaria contra seus protagonistas. A questão é simples e não exige raciocínio extraordinário para compreendê-la, desde que não se queira fechar os olhos para a realidade. Na seara política é preciso enxergar além, pois o olhar que vai até a borda do nariz serve para nada.

Se os que convivem sob o manto do extremismo direitista tivessem defendido o respeito à Constituição e evitassem ataques torpes aos adversários políticos e ideológicos, certamente o ex-presidente Lula teria reconquistado a liberdade muito menor do que quando foi preso. A tese que sempre defendemos é que ao desrespeitar a lei corre-se o sério risco de transformar um culpado em vítima.

Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro só chegou ao Palácio do Planalto porque tripudiou sobre a esquerda nacional, adotando discurso colérico e provocativo contra os artífices do maior esquema de corrupção de todos os tempos, o Petrolão. Por falta de opção do eleitorado e aproveitando o anseio de mudança da sociedade, à época cansada do banditismo político, Bolsonaro venceu a corrida presidencial tendo no encalço o candidato petista Fernando Haddad, que arrancou das urnas do segundo turno 47 milhões de votos, equivalente a 44,87% dos votos válidos, contra 57 milhões conquistados pelo adversário e agora presidente.

Mesmo com o ex-presidente Lula “atrás das grades”, Bolsonaro não conseguiu uma vitória retumbante nas urnas, a ponto de justificar o discurso, esculpido com o cinzel da mentira, de que a extensa maioria da população lhe deu um voto de confiança. Considerando que o PT comandou a dianteira do Petrolão e que Lula estava preso, o contingente de votos de Haddad na eleição de 2018 não pode ser desprezado. Isso significa que, apesar de tudo, a capacidade do ex-metalúrgico de transferir votos ainda era, naquele momento, eficaz.


Responsável pela primeira denúncia de corrupção na Petrobras, ainda em 2005, o UCHO.INFO não defende, como jamais defenderá, quem avança sobre os cofres públicos, mas entende que todo réu tem direito ao devido processo legal e ao amplo direito de defesa, como preconiza a Constituição Federal de 1988. Ao atropelar o conjunto legal vigente, a sociedade corre o risco de ter pela frente criminosos transformados em monstros sagrados, como agora acontece com Lula, após 580 dias na prisão.

A partir de agora, Bolsonaro terá de enfrentar o opositor que jamais enfrentou e sequer sonhava com isso. Lula é culpado no bojo do Petrolão, não há sombra de dúvida, até porque em alguns casos o conjunto probatório é convincente, mas é preciso reconhecer que o ex-presidente é um “animal político” nato que fala a língua do povo. É nesse exato ponto, roubalheiras esquerdistas à parte, que reside o perigo maior de Bolsonaro.

Se o atual governo tivesse cumprido parte daquilo que o presidente prometeu na campanha, por certo o campo de batalha política que já está formado seria menos arriscado. Como nada do que foi prometido tornou-se realidade, em especial no campo econômico, é bom que Jair Bolsonaro se prepare para a peleja, pois Lula disse, antes da expedição do respectivo alvará de soltura, que deixaria a prisão “com sangue nos olhos”.

Experiente politicamente, Lula sabe até que ponto poderá esticar a corda para ressuscitar a oposição, sem defender teses perigosas como o impeachment de Jair Bolsonaro. Afinal, o petista não se deixará levar pelo canto que seduziu a direita e acabou criando um monstro político, nas ruas desde o final desta sexta-feira (8).

Persuasivo e exímio articulador político, Lula nada tem a perder, pois uma eventual candidatura sua, mantidas as sentenças condenatórias já proferidas, só seria viável em 2038, quando o ex-metalúrgico teria 93 anos.

No contraponto, Bolsonaro, que não mede o que fala e “atira para todos os lados”, como se o destampatório fosse sua mola propulsora, precisa ser extremamente cauteloso para não flertar ainda mais com o autoritarismo e em algum momento incorrer em crime de responsabilidade, condição básica para pedido de impeachment. Aliás, já existem fatos e razões para um pedido de impeachment do atual presidente da República, que só não prosperou até agora por conta do famoso “deixa disso”.