Propostas que possibilitam prisão em segunda instância são devaneios jurídicos para ludibriar o eleitorado

A discussão sobre a prisão após condenação em segunda instância, possibilidade rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ferir frontalmente a presunção de inocência, tema explicitado de forma clara na Constituição – artigo 5º, inciso LVII –, começa a caminhar na direção de proposta há muito feita pelo UCHO.INFO: a convocação de Assembleia Constituinte. Uma eventual Assembleia Constituinte permitiria, em tese, alterar o texto constitucional – ou propor um novo –, especialmente no tocante às “garantias e direitos fundamentais”, que na atual Carta são invioláveis.

Enquanto isso não acontece, qualquer proposta de mudança no texto da Constituição para viabilizar a prisão após sentença condenatória de segundo grau não passa de devaneio jurídico, uma vez que a presunção de inocência consta de cláusula pétrea, portanto, sem possibilidade de alteração.

No afã de jogar para o eleitorado, ao mesmo tempo em que finge desconhecer a inviabilidade do tema, o Congresso trabalha para emplacar Propostas de Emenda à Constituição que pregam a possibilidade de execução antecipada de sentença penal condenatória.

Na Câmara dos Deputados, a PEC em questão propõe alterar o inciso LVII do artigo 5º da Carta Magna, como se interpretar o texto constitucional fosse um desafio hercúleo. Além de a aprovação da proposta ser considerada como quase impossível, pois exige um mínimo de 308 votos favoráveis em votação de dois turnos, a medida acabaria no STF por ser escandalosamente inconstitucional.

No artigo 60, parágrafo 4, inciso IV, a CF define que “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”. De tal modo, a proposta que tramita na Câmara, se aprovada, acabará no Supremo a reboque da tese da inconstitucionalidade.

Na outra ponto do Congresso, no Senado da República, tramita PEC que busca enxertar no artigo 93 da Constituição inciso “para positivar a possibilidade de execução provisória da pena, após a condenação por órgão colegiado”. Esse é outro caso flagrante de inconstitucionalidade da proposta, além de sugerir a inclusão de novo inciso em artigo que trata da estrutura do Judiciário. Em outras palavras, oportunismo barato de quem não sabe conviver no ambiente democrático e precisa fazer o jogo do eleitorado.


Parlamentares também discutem a possibilidade de alterar o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), que é claro ao definir: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”

Em que pese a possibilidade de alteração no mencionado artigo do CPP, a presunção de inocência continuará preservada pela Carta Magna, mesmo com a eventual mudança de lei infraconstitucional.

Na tentativa de evitar maiores conflitos e buscar solução de consenso, o presidente da Câmara dos Deputados. Rodrigo Maia (DEM-RJ), sinaliza com a possibilidade de a Casa analisar mudanças no Código Penal CP), objetivando impedir a prescrição de crimes, em especial os de “colarinho branco”, por meio da interposição quase interminável de recursos judiciais.

Qualquer mudança no Código Penal, em tese, só retroage se for para beneficiar o réu. Analisando de soslaio a proposta de Maia, essa beira a ilegalidade, pois interferiria em direito adquirido do réu. A medida, se aprovada, passaria a valer após a devida sanção, ou seja, apenas para novos crimes. Contudo, alguns juristas alegam que como a mudança sugerida por Maia é de caráter processual, mesmo que eventualmente ocorra no CP, a retroatividade é possível.

O UCHO.INFO, que segue a linha “garantista” do Direito, defende o que estabelece o artigo 5º da Constituição, inciso XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Por ser o artigo em questão cláusula pétrea, não caberá a retroatividade de eventual mudança no Código Penal, mesmo que para combater a corrupção.

O propósito deste noticioso não é defender corruptos, faz-se necessário ressaltar, mas defender o estrito cumprimento do que determina a Carta Magna, que nada mais é do que um tratado para que a sociedade possa conviver de forma pacífica e harmoniosa, sem que um cidadão fira os direitos e as garantias de terceiros e do conjunto social.

Considerando que o oportunismo que paira diuturnamente sobre a política intenta, no caso em questão, acabar com a sensação de impunidade e, mandando ao cárcere os réus, viabilizar a perpetuação no poder de novos parlamentares e autoridades, melhor seria se o Parlamento discutisse formas de reduzir a morosidade do Judiciário, cuja lerdeza está diretamente ligado ao fato de o Estado ser seu maior e principal “cliente”.