PPP da Iluminação Pública: regra que vale na cidade de SP não vale em Guarulhos, Salvador e Teresina

O Brasil, definitivamente, é o paraíso do “faz de conta”, situação que avança de forma assustadora na esteira da pasmaceira e da irresponsabilidade da maioria da população em relação às questões políticas.

Não faz muito tempo, a Prefeitura de São Paulo, ainda sob a gestão de João Agripino da Costa Dória Júnior, atual governador paulista, foi alcançado por um escândalo de corrupção envolvendo a licitação da Parceria Público-Privada da Iluminação Pública, cujo contrato, em 2018, estava estimado em R$ 6,9 bilhões para um período de 20 anos.

A PPP foi suspensa por determinação da Justiça após gravíssima denúncia apresentada ao Ministério Público de São Paulo, sendo que na ocasião da tomada dos depoimentos os procuradores mostraram-se espantados com as provas, nas quais os envolvidos no esquema de corrupção davam uma aula de autoincriminação.

Com a divulgação do escândalo na imprensa, o então prefeito João Dória demitiu a cúpula do Departamento de Iluminação Pública de São Paulo (Ilume), não sem antes alegar que desconhecia os ilícitos cometidos pelos assessores. Acontece que Dória foi traído por mensagens e e-mails trocados pelos envolvidos no esquema criminoso, mas, inexplicavelmente, o MP paulista decidiu arquivar o inquérito por falta de provas. Coincidência ou não, à época dessa canhestra decisão, Dória já estava eleito governador.

A disputa judicial que se formou no entorno do processo licitatório da PPP da Iluminação Pública paulistana se deu pelo fato de que a direção do Ilume desclassificou um dos consórcios sob a alegação de inidoneidade. Na verdade, uma empresa controlada por uma das participantes do consórcio desclassificado havia sido acusada de envolvimento no escândalo do Petrolão, o que na prática não deveria ter sido acolhido pela administração municipal, pois trata-se de um absurdo sem precedente. Contudo, esse detalhe foi motivo mais que suficiente para o Ilume passar a favorecer o consórcio FM Rodrigues/Consladel. (As gravações apresentadas ao MP paulista não deixam dúvidas)

Impedir que um consórcio participe de licitação pública porque uma das empresas participantes é controladora de outra considerada inidônea é no mínimo devaneio interpretativo de quem busca brechas para o cometimento de ilícitos, mas, reza a lenda, que a folclórica cegueira da Justiça remete ao conceito da isonomia no âmbito de decisões.

Em dezembro de 2018, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a licitação sob a alegação de que o consórcio Walks foi excluído do certame sem direito à ampla defesa. A batalha jurídica se estendeu às instâncias superiores do Judiciário e, em abril de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a retomada do contrato com o consórcio vencedor, o Iluminação Paulistana, formado pelas empresas FM Rodrigues e Consladel, decisão que agradou o prefeito Bruno Covas.

Na decisão, o ministro João Otávio Noronha, do STJ, afirmou que a suspensão do referido contrato “causa prejuízos ao interesse público e potencializa o risco para a continuidade do serviço prestado pela requerente”. Ou seja, o magistrado simplesmente fechou os olhos para um escândalo de corrupção monumental, que inicialmente assustou os promotores do MP paulista, mas depois acabaram mudando de ideia.

Pois bem, se o fato de uma das integrantes do consórcio Walks controlar empresa considerada inidônea por suspeita de corrupção – o que não contamina o consórcio – invalida sua participação no certame, a mesma regra deveria valer para as licitações que têm o FM Rodrigues/Consladel como concorrente, já que a situação se repete, como ficou comprovado na contundente denúncia que o MP paulista decidiu desavergonhadamente ignorar.

Como mencionado na abertura desta matéria, o Brasil é o paraíso do “faz de conta”, principalmente porque o cidadão tem memória curta e continua acreditando que política é um assunto cansativo.

O FM Rodrigues/Consladel participa de licitações de iluminação pública nas cidades de Guarulhos e Salvador, algo que não deveria estar ocorrendo, uma vez que o consórcio está envolvido em denúncia de corrupção na capital paulista, apesar de as empresas negarem os fatos. Não obstante, em Teresina, capital do Piauí, vereadores oposicionistas ameaçaram entrar na Justiça contra a licitação vencida pelo FM Rodrigues/Consladel.

Padre no olho do furacão

Apenas para refrescar a memória dos leitores, à época do escândalo envolvendo a PPP da Iluminação Pública da cidade de São Paulo, um imbróglio extra veio à tona no rastro das denúncias levadas aos promotores. A iluminação do palco do santuário Theotokos, comandado pelo popular padre Marcelo Rossi, foi reformada com o suado dinheiro do contribuinte paulistano.

O serviço foi executado pela FM Rodrigues, a mando da então diretoria do Ilume, que atendeu a pedido outrora primeira-dama do município, Bia Dória, atual primeira-dama do Estado. Bia Dória foi convocada pelo MP para depor na qualidade de testemunha e negou ter solicitado a instalação de equipamentos de iluminação na parte interna do templo do padre Marcelo.

O depoimento da ex-primeira-dama paulistana foi desmontado pelas declarações do técnico de iluminação do templo, Antonio Nunes de Miranda Sobrinho, que em junho do ano passado disse aos promotores que Bia Dória deu ordem para instalar luzes de LED, um equipamento para efeitos e uma mesa para controlar a intensidade da iluminação.

O UCHO.INFO tem cópia do mencionado e-mail e uma gravação em que um então servidor do Ilume, exonerado na esteira do escândalo de corrupção, dá ordens por telefone para que funcionários da FM Rodrigues executem o serviço no templo religioso.

Cupincha do governador

Um dos responsáveis pelo escândalo de corrupção que se formou a partir da bilionária PPP da Iluminação é Marcos Penido, então secretário municipal de Serviços e Obras, que tinha sob seu “guarda-chuva” administrativo o Ilume. Com a saída de Dória da Prefeitura, Penido foi deslocado para a Secretaria das Subprefeituras, mas levou na bagagem o Ilume e, consequentemente, a PPP da Iluminação. O que causou enorme estranheza.

A participação direta de Marcos Penido na fraude que marcou a licitação a PPP da Iluminação foi confirmada por e-mail obtido com exclusividade pelo jornalista Mário Cesar Carvalho, da Folha de S.Paulo. O documento mostra que Penido pode interferido no processo licitatório a mando de Dória ou com o conhecimento do então prefeito.

Eleito governador, João Dória não poderia deixar à beira do caminho aqueles que protagonizaram escândalos durante sua meteórica passagem pela Prefeitura de São Paulo. E Marcos Penido foi um desses contemplados, que assumiu o comando da poderosíssima Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos.