A histeria do “Estado Laico”

Percival Puggina –

(Foto: Nadja Raupp Meucci)
(Foto: Nadja Raupp Meucci)
Virou moda invocar a laicidade do Estado para desqualificar opiniões, religiões e igrejas. É o tipo de coisa que só acontece no Brasil, país em que presidentes da República se atrapalham com rudimentos de português e matemática. Fosse o pensamento prática frequente entre nossa elite, tais invocações à laicidade do Estado seriam rechaçadas pelo que de fato são: ensaios totalitários visando a calar a boca da maioria da população.

A leitura dos preceitos que os constituintes de 1988 incluíram em nossa Carta Magna sobre o tema esclarece, acima de qualquer dúvida, que eles desejavam, nesse particular, limitar a ação do Estado e não das pessoas, suas religiões e igrejas, como agora, maliciosamente, lendo a carta pelo seu avesso, alguns pretendem fazer crer. Enfaticamente, a CF determina ser “inviolável a liberdade de consciência e de crença”, que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença” e que o Estado não pode estabelecer ou impedir cultos.

Não são as opiniões de indivíduos ou, mesmo, de figuras públicas em que se perceba inspiração religiosa que violam a Constituição, mas as tentativas de os silenciar, de os privar do direito de expressão, aos brados de “Estado laico! Estado laico!”. Não, senhores! Foi exatamente contra essa pretensão que os constituintes ergueram barreiras constitucionais. Disparatado é o incontido e crescente desejo que alguns sentem de inibir a opinião alheia, para que possam – veja só! – falar sozinhos sobre determinados temas. E são tantos os desarrazoados neste país que poucos percebem o tamanho da malandragem.

Leigos ou religiosos, ateus ou agnósticos, detentores de mandato ou jurisdição, podem e devem ouvir suas consciências ao emitirem seus votos ou decisões. Talvez estejamos habituados a líderes que escolhem princípios como gravatas (ou echarpes) e estranhemos quem os tenha, bons e sólidos. A laicidade impõe limites ao Estado, não aos cidadãos!

Eu tenho o direito de emitir conceitos, com base religiosa ou não, fundados na cultura gaúcha ou tupiniquim, na doutrina marxista ou liberal, sem que desajuizados pretendam me calar. Essa minha liberdade tem garantia constitucional. E há dispositivos específicos para assegurá-la no que se refira às convicções religiosas e suas consequências. A histeria a esse respeito escancara não só recusa ao contraditório, mas também vocação totalitária. Por quê? Porque como bem se sabe, o totalitarismo, para cujo porto estamos sendo levados pelo nariz, não pode conviver com sistemas de valores que não sejam ditados pelo Estado e que ante ele não rastejem. É a esse mostrengo que andam chamando “Estado laico”. Ele não é isso.

(*) Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de “Crônicas contra o totalitarismo”; “Cuba, a Tragédia da Utopia” e “Pombas e Gaviões”. Integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

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