À procura da inteligência

(*) Rizzatto Nunes

Meu amigo Outrem Ego propôs que pensássemos se havia mesmo inteligência nesta nossa sociedade capitalista e democrática. Ele disse: “Com tanto desenvolvimento das comunicações e com tanto avanço na tecnologia de ponta, que conectou bilhões de pessoas, nós acabamos por acreditar que há alguma inteligência por aí. Mas há mesmo? Para o mal, parece que sim”.

Bem, o que posso dizer é que, por aquilo que eu penso, a resposta depende do ponto de vista. Nenhum de nós parece inteligente o suficiente para compreender tudo o que se passa. Porém, isso não impede que pensemos em alguns aspectos.

Vejamos a democracia. Em países com democracias consolidadas de forma secular, o último ano deu exemplos de equívocos na sua formatação e na maneira da população participar. Peguemos o Brexit. Tendo em vista a catástrofe que foi o resultado do referendo/plebiscito (i) no Reino Unido, que resultou na saída da União Europeia, pergunto: com tanta gente cuidando do mesmo assunto, com tantos pensadores ingleses, escoceses, europeus etc., como é que foram organizar um plebiscito, cujo resultado seria tão importante, com a possibilidade de que a decisão pudesse se dar com tão pequena margem de votos e sem levar em consideração a participação percentual dos votantes em relação à população? E ainda por cima num turno só?

Dos 46,5 milhões de eleitores, apenas compareceram às urnas 72,2% (33,5 milhões). Desses, 51,9% votaram pela saída do bloco europeu e 48,1% pela permanência. Feitas as contas, o resultado é que apenas 17,4 milhões de eleitores, ou seja, 37,47% do total votaram a favor da saída. “Ampla” minoria, portanto (e ainda por cima, segundo pesquisas, foram os mais velhos que votaram, deixando essa herança para os mais jovens).

Nos Estados Unidos da América do Norte, Donald Trump foi eleito, mas quem recebeu mais votos foi Hillary Clinton. A candidata democrata teve mais de 2 milhões de votos acima do que o candidato republicano: 64,2 milhões contra 62,2 milhões (ii)

Isso tudo é esquisito mesmo.

Temos aviões supersônicos, espaçonaves que frequentam planetas distantes, bombas nucleares espetaculares (e perigosíssimas), mas não conseguimos combater simples mosquitos que picam e matam as pessoas (Sei que não é tão fácil combater esses “bichinhos”. É que estou apresentando pontos de vista).

Como disse meu amigo: “Os automóveis podem rodar facilmente a 200, 250 , 300 km por hora. Mas, é proibido andar a mais de 120”.

Sim, são os paradoxos colocados ao consumidor.

Houve avanços. Você leitor, deve lembrar que, antigamente, era permitido fumar dentro dos aviões. Mas, claro, apenas em parte das poltronas. Por exemplo, da de número vinte até a de número 40. Nas demais, não podia. Só esqueciam de dizer para a fumaça que ela ficasse alojada nos mesmos compartimentos… Era o mesmo em restaurantes…

E o irmão de meu amigo, que é engenheiro, teve sua carteira de habilitação suspensa por ter furado o rodízio algumas vezes no período de um ano. Chateado, cumpriu o ritual exigido para poder dirigir novamente. Quando foi ao posto do Detran, gostou do que viu: tudo se deu de forma organizada e rápida. Mas, não é que o funcionário fez com que ele escrevesse um texto a mão, a partir de um ditado? Ele perguntou: “Para quê isso?”. “Para provar que o senhor saber ler e escrever”. “Mas eu sou engenheiro. E, na verdade, tenho carteira de habilitação há 20 anos”. Não adiantou, teve que escrever o ditado.

Paradoxos, incoerência, falta de bom senso. Se olharmos bem, encontraremos muitos exemplos em todo lado. É um bom exercício de observação. Com tanta coisa ruim pelo mundo afora – e, claro, muito piores do que esses aspectos acima –, realmente, podemos ficar em dúvida sobre a inteligência humana.

(i) Estou usando os termos de forma indiscriminada, embora haja alguma diferença entre eles: como se sabe, o plebiscito é utilizado para consulta sobre tema que esteja numa fase anterior à elaboração de alguma lei proposta pelo governo ou parlamento. Referendo é uma consulta popular, no qual a população se manifesta sobre uma lei ou ato constituído, ou seja, é uma votação convocada para ratificar ou rejeitar o que já existe.

(ii) http://24.sapo.pt/atualidade/artigos/eua-contagem-de-votos-fechada-hillary-clinton-com-mais-dois-milhoes-que-trump

(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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