A vida, à vida

(*) Carlos Brickmann

carlos_brickmann_10Em frente ao hospital onde está internada Marisa Letícia Lula da Silva, esposa do ex-presidente Lula, duas ou três pessoas gritam slogans contra a senhora doente. É pouca gente. Para o gosto deste colunista, é gente demais.

Há uns dois mil e poucos anos, pediram ao rabino Hillel uma definição rápida de Judaísmo. Hillel respondeu: “Não faça aos outros o que não gostaria que lhe fizessem. Esta é toda a Torah, a Lei. O resto é comentário”. Na mesma época, Jesus ampliou a lição: “Façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam, pois esta é a palavra da Lei e dos Profetas”.

Nunca fui apresentado a dona Marisa; não tenho motivos para dela gostar ou não (a não ser aquela estrelinha que ela inventou nos jardins tombados do Alvorada). Mas tenho todos os motivos para respeitá-la, ainda mais neste momento em que luta pela vida. Divergências políticas cessam quando algo superior se apresenta. Quem zela por uma vida zela por sua própria vida; zela pela vida de todos nós. Um esplêndido poeta inglês do século 16, o clérigo anglicano John Donne, sintetiza brilhantemente essa questão: “Nenhum homem é uma ilha, completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo. A morte de cada ser humano me diminui, porque eu faço parte da Humanidade”.

Saúde, dona Marisa. Brindemos à vida. Aliados ou não, lembremos que, se a sabedoria não deixa espaço para opiniões divergentes, sabedoria não será.

Outra coisa é outra coisa

Mas não podemos confundir manifestações de mau gosto com o exercício do jornalismo. A divulgação de documentos referentes à saúde do paciente está sujeita às normas legais, supervisionada pelo Conselho de Medicina, sem dúvida. Mas se um jornalista obtém esses documentos tem o direito – sem censura, determina a Constituição – de divulgá-los.

Vejamos a Lava Jato: se o jornalista obtém um vazamento e o divulga não comete crime. E lembremos aquele parágrafo clássico, “documentos a que este jornal teve acesso”.

Os segredos do X

Em 2012, Eike Batista publicou seu livro para ensinar empreendedorismo: “O X da Questão – a trajetória do maior empreendedor do Brasil”.

Pois é, há muito a estudar na trajetória de Eike. A ordem de prisão contra ele foi emitida em 13 de janeiro de 2017, pelo juiz federal Marcelo Bretas. Os agentes foram buscar Eike 13 dias depois, e não o encontraram. Soube-se que decolara para Nova York duas noites antes. Normalmente, os investigados ficam sob monitoramento dos federais até que a operação seja desfechada.

Outro detalhe curioso: Eike viajou sozinho, na véspera da viagem da família. Por algum motivo, sabe-se lá qual, preferiu sair um dia mais cedo.

Valor real

Da jornalista Suyen Miranda, lembrando que Eike Batista não tem diploma universitário e, se preso, irá para prisão comum: “diploma universitário faz bem a saúde, mas passaporte alemão faz muito mais”.

Curiosidade

Segundo a Polícia Federal, boa parte da propina para o ex-governador fluminense Sérgio Cabral, já durante o decorrer da Operação Lava Jato, foi entregue na sede da Frangos Ricca, em mãos, pelo próprio frangueiro. Não se fale, pois, apenas em pixulecos: tinha pixuleco, sim, mas também moela, miúdos em geral, asinhas e até mesmo a pele dos contribuintes.

Uzianqui, uz gringo, uz galego

Na terça, Lula garantiu que a Lava Jato “tem dedo estrangeiro”. Na quarta, Dilma disse que há “interesses escusos” na Lava Jato, de ‘inviabilizar empresas brasileiras”. E essa inviabilização das empresas brasileiras “não é algo gratuito”: o objetivo é beneficiar empresas estrangeiras.

Poderia ser – mas as maiores empreiteiras brasileiras confessaram listas e mais listas de irregularidades pesadas, pelas quais concordaram em pagar multas monumentais. Mas Dilma está firme: empreiteiras estrangeiras, que hoje entram em concorrências da Petrobras, também estão envolvidas em corrupção, e levam vantagem sobre as concorrentes nacionais.

Mas é maldade dizer que a corrupção deve ser exclusivamente nossa.

É proibido gastar

Crise, que crise? Levantamento elaborado pelo colunista Cláudio Humberto (www.diariodopoder.com.br) mostra que, em 2016, o Senado gastou R$ 684 mil só em passagens aéreas para “missões oficiais” ao Exterior. Há também as diárias de viagem: apenas para ir ao Fórum Parlamentar dos Brics, em Moscou, Lindbergh Farias (PT-Rio), Vanessa Grazziotin (PCdoB-Amazonas) e Renan Calheiros (PMDB-Alagoas), receberam pouco mais de R$ 16 mil.

Além das verbas para missões oficiais, há as viagens normais de senadores, para Brasília e suas bases eleitorais, que bateram em algo próximo a R$ 6 milhões durante o ano.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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