Entre a euforia e a decepção, escolha dos integrantes da equipe de Temer é marcada por incongruências

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A formação da equipe ministerial do eventual governo de Michel Temer (PMDB) continua flanando nos ares da incongruência, como noticiou o UCHO.INFO em matéria anterior. Não bastassem alguns investigados na Operação Lava-Jato que ocuparão cargos de importância no primeiro escalão, há ministro que deixou de ser sem jamais ter sido, há quem, sem ser confirmado no cargo, falou como ministro de uma pasta e, preterido, pode acabar em outra.

Exigir coerência na política nacional é a mais hercúlea das tarefas, quiçá seja missão impossível, mas é preciso que essa atividade seja embalada ao menos pela prudência. É fato que políticos não conseguem ter essa preocupação, até porque o tempo urge e os interesses espúrios são muitos. Contudo, insistir no modelo atual, que levou Dilma Rousseff à débâcle, é suicídio político.

Causa espécie, porém, o fato de alguns notáveis em determinadas áreas alimentarem o sonho de chegar ao poder. E nesse vai e vem desconexo há alguns nomes respeitáveis que sequer deveriam ser abduzidos por tal cenário. É o caso do médico Raul Cutait, que foi sondado para ser ministro da Saúde, mas de chofre recusou a oferta.

Reconhecido pela competência profissional e figura de destaque no corpo médico do Hospital Sírio-Libanês, talvez o melhor do País, Cutait mudou de ideia e, em segundo momento, gostou da ideia de virar ministro. Autorizou emissários a informarem Michel Temer sobre sua disposição de assumir a pasta. Escaldado que é depois de tantos anos na política, Temer preferiu colocar Raul Cutait no colo do Partido Progressista, legenda da qual o peemedebista espera apoio no Congresso Nacional.

Cutait deveria ser indicado na cota do PP, mas, passadas algumas horas, acabou sendo descartado pelo presidente nacional da legenda, senador Ciro Nogueira (PP-PI). Se a ideia era dar um lustro extra no currículo, Raul Cutait acabou lucrando. Afinal, ser indicado ao cargo de ministro por um partido que tem 26 integrantes sendo investigados por corrupção e outros crimes na Operação Lava-Jato não é a maior das láureas. Decantada a euforia provocada pela possibilidade de estar ministro, Cutait deve considerar que ao menos sua história profissional foi preservada.


Outro caso emblemático é o do advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, um dos melhores e mais conceituados do País quando o assunto é Direito Criminal. Amigo longevo do próximo presidente da República e inicialmente escalado para assumir o Ministério da Justiça, Mariz falou como ministro e acabou “demitido” sem ao menos ter sido guindado ao cargo. Na verdade, o advogado fez o que como não poderia ter feito: críticas à Operação Lava-Jato e ao instituto da delação premiada. Com clientes enrolados no escândalo do Petrolão, Mariz e Oliveira ficou à beira do caminho.

Porém, esse abandono foi por pouco tempo, pois Michel Temer fez valer a amizade e decidiu realocar Mariz de Oliveira, que está prestes a assumir o Ministério da Defesa. É difícil imaginar um cenário em que um criminalista competente, porém discreto (essa é sua personalidade), seja o comandante de fato dos comandantes militares – o comandante de direito é o presidente da República.

Criminalista brilhante e à frente de uma banca advocatícia conceituada e respeitada, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira não precisa do cargo de ministro de Estado para dar brilho extra ao próprio currículo. Amizade à parte, Mariz sabe que é mínima a chance de o eventual governo de Michel Temer ser um primor, até porque o tempo é curto e os problemas nacionais são enormes. Ademais, considerando a grave crise econômica que sacode o País, o Ministério da Defesa será um dos últimos da fila no quesito orçamento da União. Com pacientes morrendo nas filas dos hospitais públicos não há como explicar investimentos na área militar, mesmo que esses sejam extremamente necessários.

Para completar, tirante o prestígio de ser ministro, Mariz de Oliveira receberá como integrante do governo salário infinitamente menor do que os honorários que abocanha ao defender os que transgridem a lei. Se considerarmos que a defesa de um investigado de peso na Lava-Jato não sai por menos de R$ 5 milhões, o melhor que Mariz pode fazer é recusar o convite do amigo Temer, não sem antes pedir ao eventual presidente para que nada seja feito com o intuito de interromper as investigações do Petrolão. Afinal, diz a lenda que em time que está ganhando não se mexe.

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