Fachin nega liberdade ao ex-tesoureiro do PP; decisão mostra que há fatos estranhos na Lava-Jato

(Reprodução Folha de S. Paulo)
(Reprodução Folha de S. Paulo)

Em seu primeiro ato como relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Edson Fachin levou à 2ª Turma da Corte um pedido de liberdade de João Cláudio Genu, ex-tesoureiro do Partido Progressista e ex-chefe de gabinete de José Janene, o mentor intelectual do esquema de corrupção conhecido como Petrolão.

Os ministros da 2ª Turma negaram por unanimidade o pedido de Genu, que está preso em Curitiba desde maio de 2016 por decisão do juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava-Jato na primeira instância do Judiciário.

Em seu voto, Fachin decidiu pela manutenção da prisão, bisando as alegações do ministro Teori Zavascki, seu antecessor na relatoria e morto no último dia 19 de janeiro em acidente aéreo na cidade de Paraty, litoral sul fluminense. A rejeição do pedido foi justificada pela inadequação da ação impetrada pelo advogado de Genu (reclamação), que não permite a concessão de liberdade, devendo ser requerida por meio de habeas corpus, com análise pelo STF dos argumentos da defesa.

“Voto no sentido de manter a decisão, entendo que recurso é inapto a alterar essa decisão. O cabimento da reclamação deve ser aferido nas normas de regência, competência do tribunal ou para garantia de suas decisões”, afirmou Fachin na sessão da 2ª Turma.

Condenado a 8 anos e 8 meses de prisão por corrupção passiva e associação criminosa, João Cláudio Genu acompanhou o nascimento do Petrolão, esquema “gestado” por Janene e colocado em prática, em meados de 2005, com a anuência explícita do então presidente Lula.

Há na Lava-Jato alguns casos estranhos e inexplicáveis, mas as autoridades insistem em ignorá-los. Para compreender o que acontece no escopo da operação é preciso voltar no tempo, com direito a algumas paradas na linha do escândalo de corrupção.

Um dos primeiros delatores da Operação Lava-Jato, Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, não demorou a iniciar negociação de acordo de colaboração premiada para evitar que as garras da Justiça alcançassem suas filhas e genros. A investida de Costa não prosperou e seus familiares tornaram-se réus em ação penal – Humberto de Sampaio Mesquita (genro, falecido em 25 de janeiro de 2017), as filhas Ariana Azevedo Costa Bachmann e Shanni Azevedo Costa Bachmann, além de Márcio Lewkowicz (genro). Ou seja, as investigações e a Justiça avançaram na direção da família de Paulo Roberto Costa.

Em outra ponta das investigações, em cenário idêntico, no caso do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), as investigações não pouparam a mulher Cláudia Cruz e a filha Danielle Dytz da Cunha Doctorovich. Enquanto Cláudia tornou-se ré em ação penal, Danielle continua sendo investigada no âmbito da Lava-Jato, sob a suspeita de ter sido beneficiária da conta bancária aberta no exterior em nome da madrasta e abastecida com dinheiro proveniente de corrupção.

Ora, se nos casos de Paulo Roberto Costa e Eduardo Cunha as famílias não foram poupadas pelos investigadores, causa espécie o fato de os familiares de José Janene não terem sido importunados até o momento. Filha do xeique do Mensalão do PT e mentor do Petrolão, Danielle Janene (na foto acima ao lado do pai) tentou, não faz muito tempo, “vender” a ideia de que ela e a família foram abandonadas pelos antigos amigos e aliados do pai.

Em recente, estranha e meteórica incursão na imprensa, Danielle Janene afirmou que o pai não permitia que ela pagasse uma só conta, “nem do verdureiro”. O que é uma sonora inverdade. Quem conhece a história de Janene sabe que Danielle foi durante alguns anos o braço direito do político que abusou da ousadia ao chamar, publicamente, o então presidente Lula de “filho da puta”.


A filha de Janene alega que, após o falecimento de Janene, em outubro de 2010, a realidade familiar mudou em termos financeiros. “As pessoas entraram em contato para falar de problemas. Nunca ninguém bateu na porta para falar: ‘Olha, tem dinheiro esperando vocês ou alguma coisa boa’”, afirmou Danielle à jornalista Katna Baran.

Danielle disse estar magoada com Alberto Youssef, o doleiro do Petrolão, a quem ela chamava de “tio Beto”. Youssef era compadre de José Janene (padrinho de um dos filhos do finado parlamentar com Satel Fernanda) e operador financeiro do criador do esquema criminoso que derreteu os cofres da Petrobras. O doleiro passou uma temporada atrás das grades, mas agora goza a liberdade, sem tornezeleira eletrônica, na cidade de São Paulo, onde durante anos manteve o quartel-general financeiro da Lava-Jato. Com Youssef em liberdade, a aludida mágoa de Danielle pode ter acabado.

Continua a causar estranheza nessa epopeia criminosa envolvendo o finado José Janene – ele morreu em decorrência de cardiopatia e outras complicações – o fato de até agora a Lava-Jato não ter importunado os familiares do ex-parlamentar. Como movimentações estranhas têm ocorrido no âmbito da Lava-Jato, não será surpresa se, por ventura, a família de Janene ter ficado de fora das investigações e de condenações no rastro do acordo de colaboração premiada de Alberto Youssef. Essa dúvida encontra sustentação em um detalhe importante: o nome de Janene está na extensa maioria dos relatos do Ministério Público Federal e nas sentenças do juiz Sérgio Moro.

Para reforçar a suspeita há uma declaração de Danielle Janene ao jornal “Folha de S. Paulo”, em que ela reconhece a participação do pai no maior esquema de corrupção da história da Humanidade: “Está difícil dizer o contrário. Mas ele não foi o mentor exclusivo e único beneficiado. Claro que há uma estratégia. Morto não fala”.

Ora, se Janene participou direta e ativamente do Petrolão, como admite a própria filha, e Danielle era seu braço direito, não há como não questionar o fato de a família do ex-deputado ter sido poupada até agora.

De quebra, outra filha de Janene, Michelle, trabalhou na corretora Bônus-Bonval, seriamente envolvida no primeiro grande escândalo de corrupção da era petista, o Mensalão do PT. A corretora funcionou como lavanderia do dinheiro sujo do Mensalão. Se Michelle Janene viu ou aprendeu algo errado não se sabe, mas é no mínimo estranho um pai – especialmente um pai árabe – colocar a filha para trabalhar em um centro de branqueamento de dinheiro da corrupção.

Migrando para o campo das coincidências…

Primeira coincidência – Enivaldo Quadrado, ex-sócio da corretora Bônus-Bonval, foi preso ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), em 8 de dezembro de 2008, flagrado pela Polícia Federal com 360 mil euros em dinheiro, valor não declarado que estava escondido em meias e na cueca. Questionado pelas autoridades, Quadrado disse que o dinheiro pertencia a um amigo português que decidira investir em locação de automóveis no Brasil. Segunda coincidência – a família de Janene era dona da JN Rent a Car, locadora de automóveis com sede em Londrina que fornecia automóveis para várias prefeituras e estatais. Terceira coincidência – no dia da prisão de Enivaldo Quadrado, capatazes de José Janene viajaram, a bordo de uma camionete, de Londrina a Guarulhos, onde está localizado o aeroporto de Cumbica. Quem conhece os bastidores do caso garante que os capangas de Janene viajaram a SP para buscar o dinheiro vindo da Europa. Quarta coincidência – não bastasse o envolvimento no Mensalão, Enivaldo Quadrado foi preso na Lava-Jato sob a acusação de ser “laranja” de Youssef. Observação: Todos os fatos relatados acima aconteceram quando o Petrolão já estava em marcha acelerada.

Voltando ao roteiro original…

Depois de sofrer um Acidente Vascular Cerebral, em fevereiro de 2010, e receber alta do Hospital Evangélico de Londrina, no interior do Paraná, Janene teria dividido com o doleiro Youssef a gestão das contas bancárias que mantinha no exterior. Com a morte do ex-líder do PP, as contas do “pai do Petrolão” transformaram-se em um intrigante mistério. Ninguém sabe, ninguém viu. Aliás, os benefícios do acordo de delação de Alberto Youssef no caso do Banestado foram suspensos porque o doleiro mentiu à Justiça para viajar com Janene a Paris, onde foram tratar de assuntos bancários.

Chegou a hora de o ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF e paranaense de quatro costados, questionar o fato de até agora os Janenes terem escapado do radar das investigações da Lava-Jato. Com a palavra, o ministro Fachin!

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