França tem primeiro processo contra a produção de “foie gras”

foie_gras_01Covardia sobre a mesa – A Justiça da França começou a julgar o primeiro processo sobre os métodos de produção do “foie gras” no país. A especialidade gastronômica francesa, usada ao redor do planeta nos pratos mais refinados, é obtida através da gavagem de patos e gansos, que são forçados a comer quantidades bem maiores do que consumiriam naturalmente, o que produz o inchaço do fígado do animal.

O processo por “atos de crueldade” foi movido por uma associação que luta contra os maus tratos aos animais. O réu, a marca Errnest Soulard, fornece o produto a vários dos restaurantes mais chiques e badalados da França, como o Fouquet’s.

Tudo começou quando a associação L214 divulgou um vídeo mostrando os bastidores de seis produtores que vendem o “foie grãs” para a marca. Nas imagens, os animais aparecem trancados em gaiolas onde mal cabem, prática proibida pela União Europeia desde 2011. Os patos tentam se movimentar, mas não conseguem, e muitos demonstram dificuldades para respirar.

Para Sébastien Arsac, porta-voz da entidade, qualquer que seja o resultado do processo, já considera uma vitória poder levar o assunto aos tribunais. “É um debate que aconteceu em outros países, como em Israel, e que levou à proibição da prática de gavagem. Na França, esse debate jamais aconteceu em uma corte de justiça”, afirma. “É uma oportunidade para mostrarmos que a gavagem é prejudicial aos animais.”

O Ministério Público contesta a denúncia e acusou a associação de tentar “instrumentalizar” a justiça. O promotor pede que o réu seja inocentado da acusação de maus tratos. O caso é julgado no Tribunal Correcional de La Roche-sur-Yon, no oeste da França.

Solução questionada

O país, o maior fabricante mundial de “foie grãs”, concedeu um prazo de cinco anos para os produtores se adaptarem à determinação europeia sobre as gaiolas individuais. Mas, segundo Arsac, a solução encontrada pelos grandes fabricantes, as gaiolas coletivas, também não proporciona uma vida saudável para as aves. Antigamente, os animais destinados para a produção da especiaria eram criados com mais liberdade.

“As gaiolas coletivas não têm nada a ver com os parques tradicionais. Elas têm um chão gradeado, sem contato com a terra, e no momento da gavagem os produtores baixam ainda mais a grade sobre deles, o que é muito desagradável para os animais”, explica o militante. “São colocados até cinco patos em um espaço bem pequeno. Uma ave consegue abrir as asas, mas as outras precisam estar com as delas fechadas.”

Sem limites para a comida

Quanto à alimentação forçada, a regulamentação europeia não estabelece limites sobre a quantidade de comida que os animais podem ingerir. Essa barreira é feita pelos próprios produtores, em função do alto índice de mortalidade de aves a partir de uma determinada medida.

“A gavagem é proibida na maioria dos países da União Europeia, menos em cinco países. Há uma regulamentação europeia que diz que os animais não podem receber uma alimentação que resulte em sofrimento ou danos inúteis a eles. O problema é que também existem textos dizendo que a gavagem pode continuar, com a condição de haver pesquisas sobre alternativas a essa prática”, ressalta, lembrando que a morte das aves submetidas à gavagem é 10 vezes superior a de animais que se alimentam por vontade própria. “Eu acho que a posição econômica que a França ocupa na União Europeia acaba contando para que as regras sejam ambíguas, se situando entre duas posições.”

A decisão da Justiça francesa é aguardada para o dia 19 de março. Independentemente da sentença, o prejuízo para a Errnest Soulard já ocorreu. Chefs famosos, como o francês Joel Robuchon e o britânico Gordon Ramsay, cancelaram o contrato com o fornecedor depois da divulgação do vídeo. (Lúcia Müzell – RFI)

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