O Brexit, a democracia e os plebiscitos mal planejados

(*) Rizzatto Nunes

rizzatto_nunes_05Aproveito este espaço para falar do resultado do Brexit que, certamente, tem impacto seríssimo não só na economia europeia como na do mundo todo. Ou seja, afeta de modo direto o capitalismo que conhecemos. E como falarei do processo democrático e dos britânicos, ninguém melhor que Winston Churchill para apontar algo da democracia: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.

Tendo em vista a catástrofe que foi o resultado do referendo/plebiscito (i) no Reino Unido, que resultou na saída da União Europeia, não resisto em colocar alguns aspectos para reflexão.

Eis a pergunta que não quer calar: com tanta gente cuidando do mesmo assunto, com tantos pensadores ingleses, escoceses, europeus etc., como é que foram organizar um plebiscito, cujo resultado seria tão importante, com a possibilidade de que a decisão pudesse se dar com tão pequena margem de votos e sem levar em consideração a participação percentual dos votantes em relação à população? E ainda por cima num turno só?

Naturalmente, não se pode a priori prever o resultado de nenhum referendo popular, mas numa sociedade madura e racional, há que se prever as consequências de um ou outro resultado e como isso afetaria toda a população. E no presente caso, não só a população de nacionalidade britânica, mas também os estrangeiros que lá vivem e, por que não?, as consequências que envolveriam as demais comunidades. No mundo capitalista em que vivemos nenhuma nação pode agir – com o perdão do trocadilho – como se fosse uma ilha. Estamos todos conectados.

Ora, o Reino Unido somente ingressou na União Europeia em 1973, muitos anos após o início da unificação feita pelo Tratado de Roma de 1957. E ingressou com suas exigências particulares, cujo fato mais evidente foi a manutenção de sua própria moeda, a Libra Esterlina. Havia muita desconfiança em relação à entrada dos britânicos no bloco. E para apaziguar os ânimos dos eurocéticos, o então primeiro-ministro trabalhista Harold Wilson convocou um referendo sobre a adesão em 1975. E veja que interessante: a consulta obteve a aprovação de 67% dos votantes. Vitória expressiva, muito acima da margem do Brexit.

Como é sabido, essa união foi benéfica para todos: Reino Unido e Europa unificada. Há os que não gostam? Sempre há. Mas, o fato é que pelo mundo afora e racionalmente falando, os melhores pensamentos jamais foram pela saída.

Ok, tudo bem, vai se dizer, mas não é democrático perguntar para a população o que ela quer? Sim, talvez, mas com critérios inteligentes.

Nem vou me aprofundar naquela famosa discussão sobre pena de morte e democracia. É muito conhecido o embate a respeito: se para ser contra a pena de morte, bastasse a democracia pelo sistema de consulta popular, a pena capital talvez ainda estivesse em vigor em muitos lugares, nos quais já foi devidamente abolida. Infelizmente, nem sempre perguntar à população gera resultados positivos, racionais e humanistas…

Não é o caso do Brexit, certamente, mas a cautela impunha outra dimensão à consulta. A situação é tal que, em apenas três dias, mais de três milhões de pessoas já assinaram uma petição dirigida ao Parlamento Britânico pedindo a realização de um segundo referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia (UE).

Os critérios propostos na petição são muito mais justos, racionais e, de certo modo, mais democráticos: o texto pede aos deputados para introduzirem uma norma que force a convocação de um segundo referendo e neste o cálculo para a saída ou permanência na UE deve ser o seguinte: mínimo de 60% dos votos, com uma participação de 75% do eleitorado.

É incrível, mas não foi pensado nem mesmo num segundo turno, que pudesse convalidar o resultado de uma eleição tão fundamental para a economia global e para a vida de milhões de pessoas.

A esperança está numa mensagem na página da Internet da Câmara dos Comuns, que diz que a petição requerendo novo plebiscito será debatida, como todas as iniciativas de cidadãos que reúnam mais de 100.000 assinaturas.

E, como diria Winston Churchill, que cito mais uma vez: “Não há mal nenhum em mudar de opinião. Contanto que seja para melhor”.

(i) Estou usando os termos de forma indiscriminada, embora haja alguma diferença entre eles: como se sabe, o plebiscito é utilizado para consulta sobre tema que esteja numa fase anterior à elaboração de alguma lei proposta pelo governo ou parlamento. Referendo é uma consulta popular, no qual a população se manifesta sobre uma lei ou ato constituído, ou seja, é uma votação convocada para ratificar ou rejeitar o que já existe.

(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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