Retrospectiva reúne a produção do cineasta Jean-Luc Godard; mostra começa nesta quarta

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A partir desta quarta-feira (21), o mais revolucionário dos diretores da “Nouvelle Vague” ganha retrospectiva completa. A mostra “Jean-Luc Cinéma Godard” exibirá até o dia 2 de dezembro todos os filmes do diretor de “Acossado”. São 125 obras vindas da França, entre longas, médias e curtas-metragens. Não inclui apenas cinema: chegam também filmes publicitários, videocartas e séries televisivas.

“Esta é a primeira integral de Godard no Brasil”, ressalta o curador da mostra, o pesquisador e cineasta Eugênio Puppo. “Na verdade, esta é, de certa forma, a mais completa retrospectiva de Godard do mundo, pois desde a sua última mostra, em Paris, ele não parou de produzir”.

De fato, a retrospectiva, que ganha as telas do Centro Cultural Banco do Brasil e Cinesesc, em São Paulo, apresenta desde o primeiro curta do diretor, Opération Béton, de 1954, até o mais recente opus godardiano, “Adeus à Linguagem”, em 3D, lançado há pouco no cinema.

Essa integral deve-se à obstinação da curadoria. “Não aceitamos deixar um filme sequer de fora”, diz Puppo. Isso resultou em três anos de trabalho e viagens à França para conciliar interesses de distribuidoras e instituições, “16 no total’, diz o curador.

Pela primeira vez o cinéfilo poderá conferir todas as fases deste que é considerado não apenas um dos mais importantes cineastas dos séculos 20 e 21, como um obstinado provocador e operador de rupturas estéticas e políticas.

Em meio a essa retrospectiva exaustiva, Puppo recomenda algumas raridades. Em primeiro lugar, o longa-metragem “Sauve la Vie (Qui Peut)”.

“O longa era considerado perdido e foi reconstituído pelo professor Michael Witt, que estará presente na mostra”, afirma. Outra joia rara é o episódio considerado abandonado da série “Six fois Deux”, 17 minutos de conversação entre Godard e o ensaísta e homem de cinema Claude Jean-Philippe.

A estreia de Godard em longas-metragens se dá com um filme-pancada, “Acossado”, rodado em 1959 e lançado no ano seguinte. Esse mix de policial e caso de amor bandido fez sucesso de público e crítica, mas levantou polêmica.

Entretanto, a inquietação intelectual e estética de Godard não permitia que se fixasse em fórmulas, mesmo se a receita fosse de ruptura. Sua ideia era a de uma revolução permanente. E, assim, com “Duas ou Três Coisas que eu Sei Dela” faz o seu primeiro filme-ensaio, em 1966. Ideias vestidas de imagens. “O cinema é uma forma que pensa”, costuma dizer.

No final dos anos 1960, o militante Jean-Luc funda com Jean-Pierre Gorin o Grupo Dziga Vertov, de tendência maoista. Um dos líderes da chamada “política dos autores”, da revista “Cahiers du Cinéma”, Godard agora abraça a tese de um cinema coletivo e militante. O nome é tirado do cineasta de “Câmera-Olho”, Vertov (1896-1954), um dos pontas de lança da vanguarda soviética.

Para Gorin e Godard, a questão não era fazer “filmes políticos”, mas fazer politicamente os filmes. Recusam-se a se comportar como “profissionais” do cinema, transformando-se em militantes da revolução. A questão passa a ser “para quem” e “contra quem” se faz cinema. Exemplo dessa tendência é Vento do Leste, do qual participa o brasileiro Glauber Rocha, falando sobre os impasses do cinema revolucionário.

“História (s) do Cinema” é sua ruptura de maturidade. Elaborada entre 1988 e 1998, em vídeo, com oito capítulos, revela a preocupação de Godard não apenas com os rumos do cinema mas com a história da civilização. Nos anos 1960, François Truffaut observara que os 12 primeiros filmes de Godard não continham a palavra “passado”. Como se o cineasta olhasse apenas para frente. Em “História (s)”, a visão recua para contemplar a densidade do passado e a situa na tragédia do presente.

Como observa seu biógrafo Antoine de Baecque (Godard, Biographie, Grasset, 2010, 940 págs.), as datas de feitura da série “História (s) do Cinema” marcam uma encruzilhada tanto pessoal como histórica. Godard chega aos 60 anos e o cinema, como invenção, completa o centenário. A história muda bruscamente com a queda do comunismo e o fim da Guerra Fria.

O homem de esquerda, o revolucionário que havia antevisto o Maio de 1968 um ano antes, com “A Chinesa”, vê o capitalismo ganhar a parada. O que virá a seguir? Não sabe, mas sente que o momento da consciência histórica se impõe. Daí essa obra impressionante, contraditória, barroca e desconcertante, de 4h25 minutos divididos em oito capítulos.

Desde então, Godard não deixou de se reinventar em filmes ensaísticos e que ligam o peso histórico à contemporaneidade – tais como “Para Sempre Mozart” (1996), “Elogio do Amor” (2001), “Nossa Música” (2004), “Filme Socialismo” (2010) até chegar a esse extraordinário “Adeus à Linguagem”, seu primeiro experimento em 3D.

Essa inquietação estética e política, permanente num homem de quase 85 anos (aniversaria dia 3 de dezembro), pode não ter contribuído para torná-lo mais popular ao espectador médio, que vai ao cinema em busca de diversão. Mas tornou-o muito querido entre a juventude. Pelo menos é o que acredita Eugênio Puppo. “A impressão que eu tenho é de que cada vez mais os jovens se interessam pelo seu trabalho, que continua absolutamente atual”, finaliza.

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