Tragédia do voo 4U-9525 abre discussão sobre sigilo médico na Alemanha

sigilo_medico_01Discussão acalorada – As indicações de que o copiloto Andreas Lubitz derrubou deliberadamente o voo 4U-9525, da Germanwings, abriram um debate na Alemanha sobre o sigilo médico – e a possibilidade de flexibilizá-lo em casos nos quais o paciente exerce uma profissão que põe a vida de outros em risco.

Nesta terça-feira (31), o sindicato alemão de pilotos Cockpit rejeitou os apelos, vindos principalmente de setores da política. “Esse tipo de sugestão só pode ser feita por pessoas que não estão familiarizadas com a indústria [aeronáutica]”, disse o presidente do sindicato, Ilja Schulz, em entrevista ao jornal “Rheinische Post”.

Segundo Schulz, apenas sob confidencialidade o médico é capaz de oferecer uma ajuda real. “Se o meu médico não é mais obrigado a manter o sigilo, vou deixar de mencionar quaisquer problemas, pois sempre terei medo de perder a minha licença de voo”, argumentou.

A classe médica também reagiu ao debate. O presidente do Conselho Federal dos Psicoterapeutas (BPtK), Rainer Richter, concordou com o sindicato dos pilotos: “O sigilo médico não é o problema nos casos em que os pacientes podem comprometer outras pessoas”, afirmou. “Mesmo agora, médicos e psicoterapeutas estão autorizados a quebrar o sigilo, em casos em que quaisquer danos a terceiros possam ser evitados. Em casos de vida ou morte, eles são inclusive obrigados a fazê-lo.”

O debate se iniciou na Alemanha depois que documentos médicos foram encontrados por investigadores na residência do copiloto. Lubitz estaria de licença médica no dia da tragédia. As investigações indicam que ele foi tratado por psicoterapeutas durante anos, e seu dossiê médico possui anotações que indicam tendências suicidas. Lubitz inclusive interrompeu a sua formação de piloto por vários meses e buscou tratamento contra a depressão. Relatórios médicos mostram também que Lubitz sofria de descolamento de retina, disfunção que o impediria de seguir sua carreira como piloto comercial.

Pressão política

No caso do voo da Germanwings, a condição médica de uma única pessoa supostamente causou a morte de 144 passageiros e outros cinco tripulantes. Além de mudanças nas regras de presença obrigatória de ao menos duas pessoas na cabine da aeronave, o setor tem discutido outras formas de tentar prevenir futuros atos suicidas em pleno ar.

“Se a vida e a integridade física de outras pessoas estão em risco, o médico é obrigado a informar o empregador da incapacidade do empregado”, afirmou o especialista em Saúde do Partido Social-Democrata (SPD) Karl Lauterbach ao tabloide “Bild”. Lauterbach completou: “Principalmente em casos de doenças mentais e um possível risco de suicídio.”

Já o especialista em engenharia de tráfego da União Democrata Cristã (CDU) Dirk Fischer foi além: “Os pilotos têm que ir a médicos que foram designados pelas companhias aéreas.” Fischer, que até fim de 2014 era presidente da Comissão dos Transportes no Bundestag, também defendeu a quebra da confidencialidade entre médico e paciente perante o empregador e a autoridade federal de aviação.

Dois dias após a tragédia, o presidente da Lufthansa, companhia aérea da qual a Germanwings é subsidiária, Carsten Spohr, garantiu que Lubitz estava “100% apto a voar, sem quaisquer restrições”.

A rigor, correto, pois Lubitz possuía licença para pilotar e atestado médico válidos. No entanto, o caso do voo 4U-9525 mostra uma lacuna na regulamentação que determina a capacitação de voar dos pilotos. Suas condições físicas são, de fato, examinadas regularmente, mas alguns problemas psicológicos podem ser detectados e comunicados somente pelos próprios pilotos. (Com agências internacionais)

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