(*) Ucho Haddad –
Quando o democrata Barack Hussein Obama (BHO) decidiu concorrer à Casa Branca, a crise financeira internacional era apenas e tão somente um pavor guardado a sete chaves nos bastidores da política norte-americana. Ao desembarcar em Washington, de mala e cuia nas costas e a família a tira-colo – nesse pacote inclui-se a sogra –, Obama encontrou um tremendo e catinguento bode estacionado no Salão Oval. A crise econômica e suas mal cheirosas consequências.
Durante os anos em que fez oposição ao seu antecessor, Obama, assim como seus parceiros de legenda, criticaram duramente as políticas econômica e internacional do governo do republicano George W. Bush. A irresponsável invasão do Iraque, que reforçou o brilho duvidoso da estrela de xerife que os EUA sempre ostentaram, fez com que a popularidade da dupla Bush-Cheney caísse na vala da maledicência.
Com um discurso que contemplava mudanças radicais e resgate de valores democráticos, o mesmo que o levou à vitória nas urnas, Obama assumiu o comando do governo ianque ciente de que cumprir o prometido seria difícil diante da extensão da crise. Tão ardiloso quanto articulado, o primeiro presidente negro dos EUA logo percebeu que um discurso com viés humanitário seria a melhor saída para o beco político em que ainda se encontra. A primeira incursão nessa seara foi decretar o fim da prisão de Guantánamo, em Cuba, decisão revista semanas depois.
Apoiado na campanha por uma extensa maioria não muçulmana, Obama jamais deixaria à beira do caminho, principalmente por questões conceituais e familiares, os seguidores de Maomé. Até porque, se por um lado o mundo islâmico continua preocupando o planeta, por outro os adeptos dessa corrente de fé pipocam em cada esquina da terra do Tio Sam. Misteriosos como as entranhas da corrente que tem em Allah o maior dos esteios, alguns alarifes, que apostam na impunidade ou buscam um perdão antecipado para os próprios pecados, muitas vezes escondem-se sob o manto do islamismo para práticas criminosas sem precedentes. E isso não passa de banditismo organizado que engrossa suas fileiras com homens de fé duvidosa.
Barack Obama, como alguém que foi criado debaixo das leis do Islã, sabe do que são capazes os que se valem dessa artimanha. Como os EUA, ocupados na busca de soluções para a crise, não suportariam nesse momento um novo atentado terrorista, a melhor estratégia foi viajar ao Egito e, ao lado do presidente-parceiro Hosni Moubarak, adotar um discurso menos recheado de inverdades e bem mais ameno na direção do Oriente, se comparado com os de Bush e companhia bela.
O discurso de Obama no Egito, nesta quinta-feira, surtiu muito mais efeito no Ocidente do que no próprio Islã. Para os muçulmanos, o império ianque continua encabeçando a lista de ferrenhos inimigos. “Vim buscar um novo começo entre os Estados Unidos e os muçulmanos através do mundo, um começo baseado no interesse mútuo e no respeito mútuo, um começo baseado nesta verdade de que os Estados Unidos e o Islã não se excluem” afirmou BHO em pronunciamento feito na Universidade do Cairo.
Se a fala do presidente Obama não amoleceu o ceticismo muitas vezes intransigente do islamismo, por certo arrefeceu os planos nada heterodoxos dos que, mentirosamente em nome de Allah, agem de maneira desumana contra a lógica e o bom senso. Lamentavelmente, BHO caiu na mesma esparrela teórica que percorre o mundo ao dizer que “enquanto nossas relações forem definidas por nossas divergências, daremos o poder aos que espalham o ódio antes da paz, aos que promovem o conflito ao invés da cooperação”.
A ortodoxia que existe em muitas nesgas da fé faz parte do conhecimento múltiplo de BHO. Longe de ser um tecnocrata alimentado por situações exatas, o presidente norte-americano abusa das ciências humanas para comandar o império à beira do abismo que assumiu. Discursar na direção da Caaba não foi uma guinada traidora de sua fala de campanha, mas uma estratégia de quem sabe que a aludida incompreensão do mundo por parte dos que usam o fundamentalismo religioso como desculpa produz resultados catastróficos.
Há uma tênue e confusa linha que separa o crime da crença e que precisa ser minuciosamente decifrada, sob pena de o islamismo ser confundido com facção criminosa. E a diferença está exatamente na preposição “por”, pois uma coisa é crime religioso, outra é aquele cometido por um religioso. Enquanto a semântica gramatical desafia a necessária boa vontade diplomática de Barack Obama, seu discurso pode, quanto mais ao leste seguir, produzir efeitos inimagináveis. A preocupação maior reside no conflito que há décadas emoldura o Oriente Médio, pois os palestinos, embalados pelas palavras de apoio de Hussein Obama, podem de agora em diante vestir a fantasia de donos da verdade, ao passo que os israelenses precisam manter o status quo, desde que o façam com as reticências da paz sobre a mesa de negociação.
Obama, ao que tudo indica, não tem vocação para Dona Flor, aquela que servia a dois senhores, mas é necessário ressaltar que o mais novo inquilino da Casa Branca depende do financismo judeu para alimentar a roda da economia norte-americana, ao mesmo tempo em que, por necessidade política, apoia a causa palestina. Se o cenário não seria capaz de inspirar o genial Jorge Amado, que com invejável preciosismo criativo inventou Dona Flor, certamente renderia um bom filme de suspense nas mãos do mais mambembe produtor hollywoodiano.
Carente de uma ação que lhe rendesse dividendos políticos, internos e externos, não sem antes fugir da obrigação diária de sempre debelar um novo incêndio provocado pela crise, Barack Obama usou um copo d’água para, mesmo fazendo excessiva fumaça, abrir um atalho na roda de fogo e escapar do calor ardente que esse tema produz. É certo que as flamejantes labaredas da secular disputa continuarão a existir, mas longe da névoa da discórdia já é possível descobrir o caminho que leva ao túnel, mesmo que ao final a luz esteja apagada.