“Mario Simas, nosso advogado, protestou junto ao STM contra a nossa incomunicabilidade. Simas tem um aspecto asseado, a fala mansa e contundente, o raciocínio ágil, gestos comedidos. Assumiu nossa defesa como a causa de sua vida.”. Estas palavras estão postas num documento histórico escrito por Fernando de Brito. Este frade dominicano narra os tormentos vividos pelos religiosos no Cenimar, Deops, Presídio Tiradentes, Oban. Como analisa Herbert Marcuse (hoje desprezado por cerebrinos que não chegam aos seus pés em termos de agudeza e finura analítica) o mundo da língua totalitária é o das siglas. Estas últimas, na face neutra escondem atentados aos direitos. Para os que nem mesmo esqueceram, porque vieram ao mundo em data posterior ao pesadelo ditatorial (não é certo nomeá-lo apenas “militar”, porque alguns dos seus autores e beneficiários mais desumanos foram civis), expliquemos as siglas. Cenimar designa o Centro de Informações da Marinha, ponta de lança na caça aos adversários do regime. Deops é o Departamento de Ordem Política e Social onde se abrigavam os policiais civis, todos encarregados de reprimir críticos dos poderosos, mas também aterrorizando negros e pobres que seguiam religiões “diabólicas” segundo as Igrejas (romana ou protestante) como a umbanda. Presídio Tiradentes: reunião de prédios em que se jogavam presos “comuns” (se o atual presidente do Brasil tivesse memória e respeito, e recordasse a dor dos presos, jamais diria, de um coronel que se apossou do Congresso, que ele é “incomum”) em depósitos fétidos ao lado de cativos políticos. Oban indica a Operação Bandeirantes, federação infernal repressiva que reunião os grupos e instituições acima e várias outras.
Num universo concentracionário assim, a figura do advogado era sinal de alguma esperança e vida. Fernando Brito dedica sua b iografia (saída da cadeia em papel de seda enrolado nos tubos de canetas esferográficas, entregues às visitas que, deste modo, corriam riscos eminentes) rumo ao segredo que hoje é quebrado ao grande Mario Simas. É recomendável, para entender a figura altaneira de Simas, analisar o livro agora editado por Frei Betto (“Diário de Fernando, nos cárceres da ditadura militar brasileira”, SP, Rocco Ed., 2009). Para se ter uma idéia aproximada dos perigos enfrentados por Simas, basta recordar algo que Fernando evoca. Refiro-me ao comportamento de um bispo, membro da Ordem Dominicana e Auxiliar do Cardeal paulista, Dom Agnello Rossi. Como autoridade religiosa, aquela pessoa estava liberta de prisões, torturas, perda de profissão, etc. Quando um cliente de Simas, Frei Tito de Alencar, foi barbamente torturado na Oban (o leitor já sabe o que era a instituição) e, no desespero, tentou suicídio, o antístete foi enviado (com Simas e o Provincial dos Dominicanos, o bravo e santo Frei Domingos Maia Leite) para verificar os fatos. Seguiu o grupo para a Rua Tutóia, sede torcionária de São Paulo. Ali, o grupo viu Frei Tito em condições dantescas, com o corpo e a alma dizimados pelo sofrimento.
Quando o valente e lúcido advogado chegou ao processo aberto, na Segunda Auditoria Militar de São Paulo, pediu ao bispo que testemunhasse dizendo ter visto Tito torturado. Aquela pessoa recusou o pedido, alegando “Não querer prejudicar seu trabalho pastoral e sua amizade com o juiz auditor” (“Diário de Fernando”, p. 79, nota 23). O nome do bispo? Não importa. Hoje ele está diante da justiça divina que lhe pediu, com certeza, contas de seu pastoreio e amizades. Pessoalmente e tempos depois, dei uma entrevista à Revista Isto É/Senhor, na qual denunciei o personagem. A matéria me valeu anos pesados editoriais na Bahia, de um jornal cujo proprietário era Antonio Carlos Magalhães.
Num átimo em que mesmo os blindados pelo anel episcopal temiam, Mario Simas se jogou, como leão, na defesa de presos políticos que, para o regime, não mereciam justiça ou complacência. Simas, um advogado que merece o nome. Nos próximos artigos analisarei o livro “Gritos de Justiça”, redigido por alguém, sabe agora o leitor, cujo conhecimento do assunto é profundo. E verdadeiro.