(*) Roberto Romano da Silva –
Os norte-americanos gostam de colocar nos carros: “Não roube, o governo odeia concorrência”. Ao subtrair nossos dinheiros, no entanto, o governo daqui tem sócios na sociedade dita civil. Exemplo: restaurantes de luxo em São Paulo tiveram verba do BNDES para instalar torneiras banhadas a ouro nas instalações sanitárias. Dentre as prioridades sociais ou econômicas, esta não é urgente. Mas alguém era compadre de alguém, na história dos empréstimos em pauta.
Existe um projeto na Câmara dos Deputados regulando a gorjeta dos garçons. Algo similar, no absurdo, ao foro privilegiado que só existe no Brasil. Gorjeta vem do francês “gorgée” (gole). Outro termo é “pourboire” (“para beber”, moedas a mais no bolso do trabalhador que bem serviu o cliente). Se no restaurante sou atendido sem resmungos ou caras fechadas, agradeço com algumas notas a mais. Para não perder o sentido do ato e não humilhar a pessoa que nos acolhe com presteza, veio a ficção de que se trata apenas de lhe proporcionar um amigável “gole”. Mas todos sabem que não raro a gorjeta ajuda a construir a sua casa, pagar a escola dos filhos, etc.
A gorjeta é símbolo do trato cordial entre cliente e trabalhador. Ela não pode ser exagerada porque significaria corromper o segundo pelo primeiro, ou chantagem do segundo contra o primeiro. Nunca, na história dos serviços, se pagou gorjeta ao patrão. Em sociedades decentes, tal ato seria insultuoso. Pois bem, os restaurantes onde comem e bebem os incomuns (viva o presidente Lula!) endinheirados do Brasil (com frequência cada vez maior de petistas que sobem na vida) e nos quais o governo aplica recursos (arrancados dos contribuintes), exigem que parte da gorjeta lhes seja entregue a título de “reparação do material” (pratos, copos, talheres, etc.).
A essência do sistema capitalista é que, nele, instrumentos de trabalho não pertencem aos trabalhadores, mas ao patrão. Cabe ao último a responsabilidade e o risco de apresentar, conservar, vigiar o seu uso. Os custos correm por conta do empreendedor. Daí os lucros serem por ele auferidos. O trabalhador não tem lucros, mas salário fixo por dia, semana ou mês. Logo, em determinados serviços, a legitima gorjeta ajuda a melhorar o humor e a vida material do funcionário. Os restaurantes do mundo civilizado são regidos assim, de maneira capitalista genuína.
Mas no Brasil, como falou Delfim Netto, a regra é poucos empresários merecerem tal nome, pois vivem das “tetas governamentais”. Eles exigem dos governantes “gorjetas” indevidas: subsídios abusivos, perdão de dívidas para com o fisco, a Previdência, etc. Sempre que necessário, em troca, os supostos empresários passam aos que legislam, ou aos administradores, gorjetas que o s socorrem nas campanhas eleitorais. Esperam, no retorno, medidas protecionistas para suas empresas, quando eles mesmos pouco nelas arriscam. Quando firmas abrem falência, no Brasil, raros donos vão à bancarrota.
Botar a mão, legalmente, na amável gorjeta dos bravos garçons é demais. Mas não é o pior. Na Folha de São Paulo (01/07/2009), representantes dos hotéis de luxo e “restaurateurs” idem, mostram o quanto estão à vontade com os mesmos costumes que fizeram o inferno astral dos deputados e senadores. Eles se comprazem no “é dando que se recebe”. O projeto que regula a gorjeta, diz o jornal, “causou rebuliço entre restaurantes caros e sofisticados”. Os seus donos contrataram lobistas para derrubar a mudança no Congresso.
O representante da ANR (Associação Nacional dos Restaurantes), disse ter colhido assinatura de 75 deputados para, em vez de seguir ao Senado, levar o projeto à votação na Câmara. “Lá o processo é na base do diálogo, você faz um favor para mim, amanhã eu faço um favor para você. O regime parlamentar influi no sentido de favores recíprocos”. Vejam como a ética negativa não começa no Congresso Nacional, mas tem raízes numa sociedade nota zero em respeito à ética. Quem age e pensa segundo o favor, não tem moral para criticar deputados e senadores, pois deles são gêmeos, siameses.