(*) Marli Gonçalves –
Apertos de coração em geral, sensação de sufoco, aquela certa depressão. A saúde mais debilitada, o frio que fica mais frio, quase gelado; e se é o calor, ele parece bem mais quente. Dói aqui, dói ali. A ansiedade maior de não saber o que tem e o medo de, afinal, saber o que tem – igual quando a gente vai a uma cartomante e gostaria de ouvir só o que for bom. Será que o melhor é botar para quebrar? Como desentupir?
O jeito oriental de aproximação, o olhar baixo, tímido, a voz de borboleta, as mãos mágicas que se estendem, macias, mas decididas, para tocar seu pulso, e auscultá-lo sabe-se lá como – o barulho de um riacho, talvez. Parecido quando a gente põe só a pontinha do pé para ver a temperatura da água, semi-alerta. Um tempo de silêncio que parece tão interminável quanto aquele no qual a cartomante põe as cartas à sua frente e as fica olhando. Agora quem prende a respiração é você, certo de que tudo o que tem ou que lhe acontecerá está ali, na pulsação dos pontos de seu corpo, ou nas tais cartas de desenhos e símbolos coloridos.
Nos dois casos você fica nu, entregue, embora pareça e seja bem melhor mesmo estar nas mãos daquele mestre japonês conhecedor da medicina oriental do que na de algum charlatão ou adivinho. Muita gente procura saber o que o futuro lhe reserva e apenas obtém um enigma, uma pressão e mais dores de cabeça.
O sistema todo intrincado de canos no nosso corpo, a nossa corrente sanguínea, parecida demais com o sistema de abastecimento de uma casa, bombeia e corre com o que tem, passando por onde pode, levando, indo ou voltando. Flui mais decidida onde pode fluir; onde há problemas, desvia, ou para. A gente vai criando vazamentos e entupimentos, que podem ser – veja que doido – emoções! Que viram doenças, dores, ziquiziras, piripaquis, pitís e outros. Não controladas, imprevistas, diagnósticos raros e difíceis, porque adoramos parir monstrinhos. Entendeu?
Esse rio de sangue pululante no caminho natural de seu curso é o que ocorre ao mestre quando toca o seu pulsar. Procura os nós. Nós e os nossos nós, os pontos onde espetará agulhas de milímetros, mas em pontos tão certeiros que fará lembrar um grande arqueiro. Um Robin Hood particular, salvando o que pode, e de nós mesmos, de nossos desajustes, que desenvolvemos com incrível facilidade – esses entupimentos, as mazelas de nossos emocionais. Precisaríamos inventar um desobstruidor, um rotorooter, para encontrar a tão falada Felicidade?
Vocês não vão acreditar se eu disser por causa do quê pensei em tudo isso. Reparei que ultimamente a propaganda tem mostrado referências e pessoas expondo suas próprias, digamos, deficiências. O cantor esquecido de um hit só – um enlouquecedor refrão – na propaganda de seguros. O bonitão ator de uma frase só, massacrado pela crítica, mas que se dispõe a contracenar com um dos maiores (embora baixinho) atores do mundo na propaganda do carro.
Apenas alguns exemplos, mas parece que há agências especiais de captação de modelos, só gente feia, esquisita, gorda, magra, careca, caolha, baixinhos, altos, sei lá mais de que tipo. Tudo bem que o cachê que recebem também pode e deve fazer bem à saúde, mas penso que a auto-referência crítica também pode funcionar como uma espécie de desentupimento pessoal, uma liberação.
Uma nova revolução. O rir de si mesmo. Mais do que moda, essa, de sair por aí expondo fraquezas, deve ser uma nova onda e forma de buscar saúde e equilíbrio. De desentupir. Talvez até sem precisar usar tanto as agulhas dos acupunturistas, ou deitar tanto a cabeça nos divãs.
Uma questão de fluxo e de fazer das tripas, coração.
São Paulo, cidade entupida e congestionada, mas com auto-estima lá em cima, 2011
(*) Marli Gonçalves é jornalista. Já ouviu de um sábio desses como eram as pedras que bloqueavam o rio as causadoras de algumas de suas dores. Também já ouviu de cartomantes que tudo ia dar certo. Ainda não foi convidada para fazer propaganda de nada, mas faria com gosto uma contra a corrupção e contra a violência que tudo destrói. E que nos deixa ainda muito mais nervosos e doentes.
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