(*) Ucho Haddad –
O final de semana foi emoldurado por uma só notícia. A morte prematura de Whitney Houston, aos 48 anos, em um luxuoso hotel em Beverly Hills, no estado norte-americano da Califórnia. Considerada como uma das divas da pop music, talvez tenha sido a maior delas, Whitney era, como cantou certa vez Caetano Veloso em “Sampa”, o “avesso do avesso do avesso do avesso”. Sua beleza doce e frágil e o romantismo destilado nas músicas que lhe garantiram prêmios aos bolhões não traduziam a sua realidade de vida.
Desde cedo me identifiquei com a música negra norte-americana. Nos três anos em que passei na Terra do Tio Sam tive a oportunidade de ampliar a pesquisa que ainda faço sobre o gênero musical que toca a minha alma. E escolhi as décadas de 60, 70, 80 e 90 como foco da minha pesquisa. Longe de ser um especialista no assunto, tenho com a música negra ianque uma relação de intimidade.
Nesse período pude pesquisar in loco, acompanhar diversos shows e participar de eventos gospel em igrejas espalhadas pelo país. E Whitney Houston sempre esteve no meu cardápio de pesquisas, principalmente pela genética musical que marcou sua existência. Prima de Dionne Warwick e afilhada de Aretha Franklin, Whitney estreou no mundo da música pelas mãos da mãe, a também cantora Cissy Houston, que tempos mais tarde teria papel importante em sua vida.
Durante o concerto VH1 Divas Live, projeto criado para dar suporte à “Save The Music Foundation”, Whitney Houston subiu ao palco do Beacon Theatre, em Nova York, a bordo de um incontestável amadurecimento profissional. Naquela apresentação percebi que Whitney esbanjava impressionante domínio do palco e da voz, mas detalhes me chamaram a atenção. Ao final da música “I Will Always Love You” (tema do filme “O Guarda Costas”), que levou o público presente ao delírio, a cantora que vendeu mais de 200 milhões de discos suava de maneira descontrolada. Como se algo interferisse em seu metabolismo. As gotas de suor eram tantas que Whitney mais parecia um pugilista após o gongo do último round. Algo errado começava a desenhar um futuro nada sombrio para a cantora que no teatro nova-iorquino arrancou da plateia louvores ao Senhor.
Desde então, decidi dar doses extras de atenção às notícias envolvendo o nome de Whitney Houston. Em 2000, a cantora se envolveu em ruidosa confusão. Abordada por policiais em um aeroporto do Hawaii, Whitney abandonou no local uma mala que continha maconha. Anos depois, Whitney deixou ultrapassar os limites da privacidade uma complexa briga com o pai, o empresário John Houston, que lhe cobrava honorários no valor de US$ 100 milhões. A sua conturbada vida pessoal começava a desmoronar uma carreira marcada pelo sucesso.
A dependência de drogas e álcool obrigou-a a internações seguidas em clínicas de reabilitação, sendo que a mãe, Cissy Houston, teve papel importante nesse período. De volta aos estúdios, a supostamente recuperada Whitney lançou, em 2009, um novo álbum: “I Look To You”. À época, horas depois do lançamento, ouvi várias vezes a música que deu nome ao disco. Vencidas algumas audições e outras tantas comparações, coube-me o dever de escrever que Whitney perdera a voz. Fui duramente criticado, mas mantive a minha convicção, pois contra fatos não há argumentos.
Dona de uma das mais belas vozes da música em todos os tempos, com direito a melismas – técnica utilizada em músicas religiosas e que hipnotiza o ouvinte – e vibrato, Whitney voltou sem o viço vocal. Mesmo assim, a música-tema foi muito tocada em todo o planeta. A afirmação que fiz na sequência do lançamento de “I Look To You” se confirmou nos meses seguintes, em shows e apresentações que levaram os fãs a vaiarem a cantora. O consumo de crack acabou com Whitney Houston e comprometeu o funcionamento dos seus órgãos, a começar pelas cordas vocais.
Nas apresentações que se seguiram ao lançamento do último disco, Whitney em alguns momentos exibia rouquidão, resultado de um cansaço vocal provocado pela ausência do vibrato que sempre marcou sua voz. Whitney fazia coisas inimagináveis diante dos microfones. A forma como vocalmente dramatizava as músicas fez dela uma mezzo-soprano quase sem comparações. A reentrada na seara do anonimato, depois de “I Look To You”, foi a senha para o retorno ao desmoronamento pessoal.
Informações não oficiais dão conta que Whitney Houston morreu na banheira do hotel em que estava hospedada, mas muito antes a diva já havia mergulhado novamente nas profundezas das drogas, algo que só aconteceu por falta de escolha, pelo menos aos seus olhos. Acionado sem direito a interrupções, o cronômetro da vida daria a última volta em pouco tempo.
Os peritos da polícia californiana dentro de algumas semanas devem anunciar um laudo definitivo sobre a morte da diva da pop music, mas Whitney, lamentavelmente, foi vítima da própria história. Morreu por causa do conjunto da obra, não a musical. Um dos mais brilhantes pensadores do Império Romano, Sêneca disse certa vez “procura a satisfação de veres morrer os teus vícios antes de ti”. Whitney preferiu o avesso. Paciência!