(*) Ucho Haddad –
Política é negócio e todo mundo sabe disso. É assim no Brasil e em qualquer parte do planeta. Aqui, por conta da sensação de impunidade e da vigência daquela famosa frase “você sabe com quem está falando?”, o vale-tudo perdeu os limites, assim como os políticos.
Como se fosse vítima de um movimento cíclico e viciado, o País volta a viver dias de alvoroço, no rastro do escândalo que alvejou o senador Demóstenes Torres, acusado de envolvimento com Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, empresário da jogatina que na companhia de Valdomiro Diniz protagonizou o primeiro imbróglio da era Lula.
Até então dono de uma das mais ácidas e contundentes vozes contra o Palácio do Planalto, Demóstenes viu a sua reputação ruir como castelo de areia, à medida que emergiam as provas colhidas durante as investigações que deram sustentação à Operação Monte Carlo, da Polícia Federal. Cachoeira foi preso, mas Demóstenes continua livre, pois o mandato de senador lhe dá o foro privilegiado. Do contrário, fosse um cidadão comum, já teria contemplado o nascer do sol de forma geometricamente distinta. Na verdade, presos deveriam ser todos aqueles que transgridem no exercício de um mandato ou em cargo público de qualquer natureza.
A indignação popular, que ora toma conta do País, deveria ser diuturna, ininterrupta, pois a política, gostem ou não os políticos, funciona assim. A decepção dos brasileiros que não acompanham o cotidiano da política cresce porque a sisudez que recobre o Senado e os senadores chega a impressionar quem não conhece os bastidores do poder. Se confirmadas as suspeitas decorrentes de algumas gravações telefônicas, Demóstenes é café pequeno perto do que acontece nas entranhas do poder.
Chegar ao Senado da República não é tarefa fácil e muito menos barata. Para tal é preciso ser popular e ter financiadores dispostos a abrir os respectivos cofres. E ninguém despeja o suado dinheiro em uma campanha eleitoral por mero diletantismo. Quem aposta em um político com certeza cobrará a contrapartida mais adiante. É assim que funciona o jogo eleitoral. A diferença está em como dar a contrapartida. Alguns fazem com cuidado e elegância, outros se lambuzam na própria incompetência ou na falsa sensação que o poder empresta aos incautos.
O calvário de Demóstenes Torres servirá como escudo para os que agem de forma idêntica ou muito pior. Paladinos da moralidade surgiram no vácuo das primeiras denúncias. Quem tem telhado de vidro tratou de proteger Demóstenes ou, então, adotou silêncio obsequioso. Alguns saíram de cena. Com Demóstenes sob investigação, o balcão de negócios que emoldura a política nacional ficará inoperante por algumas semanas, até que os holofotes da mídia mudem o foco para outro escândalo.
O abusado presidente do Partido dos Trabalhadores, Rui Falcão, defende a tese de que Demóstenes deve ser investigado e, se for o caso, processado pelo Conselho de Ética do Senado, pois quebrou o decoro parlamentar. É no mínimo sandice alguém que preside a legenda que inventou o mensalão falar em decoro. No rastro do Mensalão do PT descobriu-se escândalos adicionais. O primeiro e maior deles foi o pagamento dos honorários do marqueteiro Duda Mendonça, pelos serviços prestados à campanha de Lula em 2002, em conta bancária no exterior. Isso era motivo suficiente para o messiânico Luiz Inácio da Silva ser despejado do Palácio do Planalto, o que não aconteceu porque a oposição mesclou soberba com incompetência.
Durante a CPI dos Correios, em 2005, o irrevogável Aloizio Mercadante resolveu posar de bom moço e enfrentar Duda Mendonça, que sem medo rebateu dizendo que o então senador petista gastara em sua campanha muito mais do que o valor declarado à Justiça Eleitoral. Mercadante declarou à época gastos de pouco mais de R$ 1 milhão, mas diante das declarações do marqueteiro baiano mudou o discurso e se apequenou para não ser abatido em pleno voo. O financiador da campanha do petista ao Senado é conhecido, mas soube cobrar a contrapartida sem volúpia, pois dinheiro não lhe falta. No contraponto, somente um inocente – inclusive da Justiça Eleitoral – pode acreditar que um candidato pelo mais importante estado brasileiro consegue a proeza de chegar ao Senado a bordo de 10,5 milhões de votos gastando tão pouco. Qualquer profissional de marketing político minimamente experiente sabe que se trata de uma monumental mentira. Diante de câmeras e microfones negam, mas em “off” falam o que ora transcrevo.
Não é preciso ir muito longe para provar que a hipocrisia deve ser deixada de lado. Um candidato à Câmara dos Deputados (de fora desse raciocínio aritmético ficam as celebridades) que concorre por um partido mediano gasta, em média, R$ 50 por voto. Ou seja, um deputado eleito com 150 mil votos, por exemplo, terá desembolsado pelo menos R$ 7,5 milhões nos quase quatro meses de campanha. Como compensação, o eleito receberá em quatro anos de mandato pouco mais de R$ 1 milhão em salário, já descontado o quinhão do Imposto de Renda. Pois bem, se a conta não fecha é porque alguém financiou a campanha. E em qualquer parte do mundo investimento está diretamente relacionado ao lucro.
Sugiro ao leitor um avanço nos cálculos para que espantemos de uma vez essa tal hipocrisia. Uma campanha presidencial no Brasil, com chances concretas de sucesso, não sai por menos de US$ 300 milhões. Exatamente isso: trezentos milhões de dólares. Com muito menos, muito menos mesmo, qualquer cidadão é recebido pelo presidente Barack Obama no Salão Oval da Casa Branca, com direito ao sonhado “Green Card” para a família inteira.
Voltando ao assunto, a questão envolvendo Demóstenes Torres se agiganta porque seu partido é de oposição e também porque na outra ponta do imbróglio está um contraventor. Fosse Demóstenes um apoiador do Palácio do Planalto e o beneficiário de suas transgressões um monge tibetano, o assunto já teria submergido. Política, reforço, é negócio. E como tal não reúne à mesa um bando de tolos. Por isso, deixe de lado a hipocrisia e passe a encarar os escândalos com naturalidade e aos protagonistas dispense o veneno que cada um merece.
Demóstenes, se culpado for, deve ser julgado com as forças da lei, mas não deve seguir para o patíbulo sozinho. Que alguns dos muitos lhe façam companhia. Denunciemos, pois.