Se a César dá-se o que é de César, com Antonio Adib Chammas não poderia ser diferente

    (*) Ucho Haddad –

    Filho de um engraxate que vivia no interior paulista, enrolava lona de circo e que de tão pobre se escondia do cobrador do trem nas sanfonas que ligavam um vagão ao outro, acompanhei o lado visionário do meu saudoso pai criar um conglomerado empresarial. Tudo ia muito bem, até que um ex-presidente da República, cheio de manias, autoritarismo e ordens descabidas, decidiu arruiná-lo da noite para o dia, que por caráter não se rendeu à corrupção.

    Como cantou diversas vezes a eterna e saudosa Maysa Monjardim, “Meu Mundo Caiu”. O nosso mundo, o mundo da família, caiu de uma vez. Em questão de dias, o meu pai inevitavelmente foi à bancarrota. Perdemos tudo, enfrentamos dificuldades e agruras de todos os naipes. Passamos necessidades atrozes e inenarráveis. Tudo era superável, exceto o fato de o pensamento tacanho da sociedade da época ter rotulado de falido o meu pai, que fora um empreendedor reconhecido. Esse foi o golpe mais covarde. Os amigos sumiram, as pessoas mudavam de calçada quando nos encontravam. Como se não bastasse, foi perseguido pelo DOI-Codi e obrigado a se esconder durante meses, longe da família.

    Como Deus escreve certo por linhas tortas, aguardamos pacientemente durante quatro décadas uma decisão da Justiça que mudou a história e deu ganho de causa ao meu pai. Nesses longos anos, doeu no âmago o fato de nos escaninhos da Justiça o meu honrado pai estar taxado como falido, algo que à época era algo tão condenável quanto uma mulher divorciada ou fumante. A sociedade mudou atroz e velozmente nos últimos anos e esses detalhes já não despertam o interesse dos contemporâneos. Quebrar hoje em dia virou negócio lucrativo dos desprovidos de caráter.

    Esse intróito pessoal, aparentemente aleatório ao texto que segue, serve para resgatar o que passou Antonio Adib Chammas, um bem sucedido empresário que enveredou na seara da política para fazer o Brasil progredir e avançar. Levou ao campo da política a sua inteligência incontestável, seu espírito empreendedor, os dogmas de sua empresa. Os tempos não eram tão suaves e a ditadura militar comandava o País. Ao defender suas convicções, sempre sérias, coerentes e balizadas, Antonio Adib se contrapôs ao despotismo que reinava na plúmbea era brasileira. Por conta desse seu comportamento, considerado pelos militares uma ousadia condenável e desafiadora, teve o mandato parlamentar cassado a toque de caixa.

    À época dos fatos, tal decisão era não apenas uma apunhalada na honradez de um homem insuperável em termos de probidade, mas uma mancha que carregaria diante de uma sociedade retrógada, preconceituosa e conservadora. De volta ao comando dos seus negócios, Antonio Adib Chammas não se deixou levar pela atitude leviana e covarde dos então donos do poder, mas carregou na alma a tristeza de um ato impensado que lhe ceifou um próspero mandato parlamentar.

    Altivo e empreendedor, Antonio Adib Chammas partiu antes da hora, mas deixou um legado que é uma verdadeira história, para ser contada e recontada diversas vezes. Sua existência sólida e cordial fez com que seu filho, Jorge, o colocasse no pedestal do imaginário. Foi e ainda é para muitos um exemplo a ser seguido e fonte de inspiração de resultados concretos.

    O que senti em relação à bancarrota de meu pai, por certo os familiares de Antonio Adib Chammas também sentiram. Carregaram o gosto acre do rótulo covarde e aviltante de ser descendente de um parlamentar que teve o mandato cassado, não importando a extensão da covardia de quem cometeu tamanha injustiça.

    Amigos leais o emolduraram no caminho da vida, mas no íntimo de quem é vitima de um ato de exceção há sempre uma incômoda mácula na alma. Antonio Adib não foi um cassado como esses que existem aos bolhões nos dias atuais, mas na condição inconteste de um parlamentar altaneiro e defensor da Pátria, que foi sorrateiramente traído porque que buscava o bem da nação e de seus patrícios.

    Antonio Adib Chammas, nesta quinta-feira, 6 de dezembro de 2012, terá de volta, em solenidade póstuma, aquilo que jamais deveriam ter lhe tomado. O seu mandato de deputado federal pelo mais importante estado da federação, São Paulo, eterna e reconhecida locomotiva brasileira. Neste dia importante e histórico não apenas faz-se apenas justiça ao traído e aviltado Antonio Adib Chammas, mas dá-se à sua família, em especial ao seu querido filho, o sossego de não mais conviver com esse fantasma que surgiu das entranhas dos bárbaros porões da ditadura militar brasileira.

    Com isso, as novas gerações da família tão bem ancorada por Antonio Adib, com destaque às suas netas e bisnetos, poderão continuar caminhando com o dorso esguio e sem nenhuma vírgula de enxovalhamento em relação ao passado do patriarca dedicado e honrado. Um ato de justiça, como citado, que contemplará as gerações que vieram após o querido Antonio Adib Chammas, que sempre teve um séquito de admiradores, dentro e fora da política.

    Como mencionei, Antonio Adib Chammas partiu antes da hora. Não tive o privilégio de conhecê-lo, pois adentrei ao seio da família com longos anos de atraso. Mesmo assim, sem intimidade, mas com sua devida licença, ouso chamá-lo, com o máximo respeito que merece a sua memória, de “velho amigo”. De tal modo, “velho amigo” Antonio Adib, a quem aprendi a admirar ma esteira de tantos fatos e relatos narrados, continue descansando em paz, agora ainda mais com aquilo que sempre lhe pertenceu e que jamais deveria ter sido tomado. O seu douto mandato parlamentar. Pois os eternos mandatos de pai de família, empresário sério, amigo leal e patriota convicto, esses, em tempo algum, alguém ousou e ousará lhe tirar, até porque nunca existiu e nem existirá motivo para tal.