O erro cometido na Lei da Ficha Limpa e o acerto no julgamento do Mensalão do PT

    (*) Ucho Haddad –

    A extensa maioria do Brasil ainda está de ressaca com a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, que negou o pedido de prisão dos condenados na Ação Penal 470 (Mensalão do PT).

    Ratificando o que já escrevi, continuando na mesma defesa, Barbosa agiu corretamente e em conformidade com o que determina a Constituição Federal. Não se pode atropelar a lei apenas para contemplar a justa sanha da sociedade de ver os mensaleiros na cadeia. É preciso respeitar o rito processual como forma de preservar o Estado Democrático de Direito e o próprio julgamento da ação, o mais importante de toda a história da Suprema Corte.

    Ademais, Joaquim Barbosa preservou a sua história como magistrado e manteve a respeitabilidade do Supremo Tribunal Federal. Caso tivesse concordado com o pedido feito pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o presidente do STF daria combustível para que os condenados armassem o palco da desfaçatez, onde encenariam papeis de mártires de araque. Em suma, Joaquim Barbosa foi prudente, apesar da gana do povo brasileiro

    Frestas na lei não devem ser abertas, pois do contrário o que é uma eventual exceção corre o risco de tornar-se uma regra definitiva. Em hipótese alguma pode-se antecipar o cumprimento de uma pena antes de extinta a fase recursal. Exceto se o crime é hediondo ou coisa que o valha. Como estabelece a lei de maneira cristalina, é o transito em julgado da sentença condenatória é que consolida em caráter definitivo a culpa e condenação.

    Como todos sabem, sempre fui contra a forma como a Lei da Ficha Limpa foi elaborada e aprovada, depois de muitos embates no Supremo. Quando o projeto da Lei da Ficha Limpa foi para votação no plenário da Câmara dos Deputados, ressaltei por diversas vezes que do jeito que estava era um queijo suíço, tamanha era a quantidade de buracos inconstitucionais que continha.

    O fato de ser contra a Lei da Ficha Limpa, no que diz respeito à concepção, em hipótese alguma significa que sou a favor de político malandro e velhaco. Apenas entendo que enquanto tiver fases recursais, nenhum cidadão pode ser considerado definitivamente culpado. É o que determina a Carta Magna ao discorrer sobre a presunção de inocência. Os políticos com ficha suja deveriam ser barrados nas urnas ou no momento do registro da candidatura.

    O meu entendimento é que uma sentença condenatória proferida por um juiz de primeiro ou segundo graus pode ser modificada em instancias superiores da Justiça. Se o trânsito em julgado foi respeitado no caso do pedido de prisão imediata dos mensaleiros condenados, deveria valer para os políticos com ficha suja, mas que não tiveram a respectiva sentença condenatória transitada em julgado.

    A Constituição Federal é a mãe de todas as leis do País, mas ao Supremo Tribunal Federal cabe não apenas o dever de preservá-la e aplicá-la, mas, também, o direito de interpretá-la e permitir derivações de pensamentos e entendimentos de cada ministro.

    Justiça deveria usar a folclórica cegueira representada pela deusa Têmis para ser isonômica diante dos cidadãos e das causas que julga, não permitindo que interpretação dual de um só tema provoque conflitos jurídicos quase intermináveis. A reboque do oportunismo político que marcou a votação da Lei da Ficha Limpa, a Justiça criou jurisprudência para o tema, nivelando todos os condenados por baixo e impedindo que aqueles sem sentença condenatória definitiva exerçam seus direitos políticos.

    Certo no Mensalão do PT foi condenar os réus e negar a prisão imediata de alguns, o que acontecerá por ocasião do trânsito em julgado. Parcialidade seria ordenar as prisões antes mesmo da publicação do acórdão. Errado na Lei da Ficha Limpa foi desrespeitar o dispositivo constitucional da presunção da inocência, condenado de forma derradeira aquele que tem direito a recurso. Ou muda-se a Constituição para que a corrupção seja varrida do País no minuto seguinte ao cometimento da transgressão, ou passamos a respeitá-la em sua essência e plenitude, sem rapapés interpretativos de qualquer natureza.