Se Bento XVI renunciou ao pontificado, Renan deveria se mirar no papa e deixar a presidência do Senado

    (*) Ucho Haddad –

    Precisou a Vênus Platinada, um das grandes pedras no caminho do cotidiano do País, noticiar que Bento XVI não renunciou ao pontificado por questões de doença ou idade para que os brasileiros acreditassem no fato revelado por mim com muita antecedência e excesso de precisão e detalhes.

    Deixando de lado, pelo menos no início deste artigo, os santos nomes que imperam na prelazia, o alemão Joseph Ratzinger mostrou-se corajoso ao decidir deixar o comando da Igreja Católica. Ratzinger fez um enorme bem aos católicos e pode ter sido a tábua de salvação que o Catolicismo tanto precisava. O gesto de Joseph Ratzinger, que poderia muito bem conviver com os marginais da Santa Sé, foi de grandeza descomunal e poderá mudar os rumos da Igreja. E a confirmação da grandeza de seu ato foi materializada na forma como foi recebido pelos fiéis na última missa que rezou como papa.

    Enganou-se quem viu na matéria que fiz uma tentativa de desconstruir Joseph Ratzinger. Apenas mostrei o cenário velho e velhaco que o levou a optar pela renúncia. O banditismo é algo antigo nas coxias da Santa Sé, o que ficou muito bem explicado na matéria. Durante a visita oficial que Bento XVI fez ao Brasil, sugeri ao pontífice que ficasse atento aos crimes que há muito são cometidos intramuros na Praça São Pedro depois das diárias orações mitômanas e as perenes falsas caras angelicais.

    Joseph Ratzinger permaneceu no cargo muito mais tempo do que imaginei. Confesso que não teria tanto sangue frio para conviver com a sordidez que impera no Vaticano, olhando para os operadores do crime como se nada soubesse. Ratzinger aceitou a indicação para ser papa com o propósito de patrocinar uma profunda assepsia no Vaticano, algo que foi tentado, em vão, por seus antecessores, o polonês Karol Wojtyla e o italiano Albino Luciani, assassinado por causa do mesmo objetivo.

    A coragem que teve o alemão Ratzinger falta ao alagoano Renan Calheiros, que contra a vontade popular assumiu a presidência do Senado Federal. Milhões quiseram que Bento XVI continuasse, milhões querem que Calheiros seja ejetado do cargo. Os motivos em ambas as situações são os mesmos: banditismo continuado e disputa pelo poder. Joseph Ratzinger tomou a decisão mais acertada e sairá na esteira da coerência, pois afinal não comunga pela cartilha que reina no Vaticano. Renan Calheiros tomou a decisão mais desastrosa e teimosamente continuará no cargo, porque a cartilha da política é prefaciada pela incoerência.

    Mais adiante, Raztinger poderá entrar para a história como o bote salva-vidas da Igreja Católica, que ora navega em mares revoltos. Não demora muito e Calheiros entrará para a história como a pedra que levou o cadáver da política brasileira ao fundo do oceano lamacento de sempre. O papa será lembrado com carinho, o presidente do Senado desperta o ódio dos brasileiros de bem.

    Por conta do cargo, Bento XVI é chamado de Santidade, Renan Calheiros, assim como a maioria da classe política, de ladrão. Ratzinger ora pela cartilha da fé, Calheiros se deixa levar pelos mandamentos da corrupção. O papa vive entre santos, o senador, entre milagrosas vacas sagradas. O que sobra em Ratzinger falta em Calheiros: coragem, ousadia, destemor. O que sobra em Calheiros falta em Ratzinger: desfaçatez, conluio, vocação para o ilegal.

    Joseph Ratzinger decidiu sair porque discorda do esquema criminoso que domina o Vaticano. Renan Calheiros insiste em ficar porque faz parte do esquema transgressor instalado no Congresso. Bento XVI participou de concílios, Renan ignorou os conselhos.

    Ratzinger poderia ser o presidente do Senado só por alguns meses, tempo suficiente para apontar os pontos nada sacros por onde escapam os pecados da política. Renan não tem cabedal para sequer visitar a Capela Sistina.

    Mesmo que de forma indireta, Bento XVI usou a imprensa para denunciar o que de errado continua acontecendo no Vaticano. De forma direta, mas não escancarada, o presidente do Senado usará a imprensa para esconder o que acontece nos imundos subterrâneos de seus domínios.

    A grande imprensa precisou chancelar a renúncia de Bento XVI para que os brasileiros acreditassem de fato nas razões de sua decisão. A mesma grande imprensa entrará em cena para evitar a queda de Renan Calheiros. Ratzinger usou a imprensa por uma causa nobre, mas Renan fará o mesmo por uma causa espúria. Mas ambas as causas têm a mesma manjedoura: a ilegalidade e a impunidade. O primeiro expõe e condena, o segundo esconde e abafa.

    A imprensa protegerá Renan Calheiros até um pouco além do limite, porque precisa de informações exclusivas para garantir audiência e justificar o que cobra dos anunciantes, não importando se a opinião pública será ludibriada com uma falsa verdade. E só quem conhece os bastidores da notícia sabe como acontece o escambo entre aos grandes veículos midiáticos e os políticos. Não revelarei nomes para não avançar no terreno da leviandade, mas um mínimo de atenção leva qualquer leitor a decifrar o enigma.

    Joseph Ratzinger sai pela porta da frente, Renan Calheiros entrou pela porta dos fundos. O papa quer sair o quanto antes, o senador que ficar o máximo possível.

    (*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, comentarista e analista político, cronista esportivo, escritor, poeta e palestrante.