(*) Marli Gonçalves –
A renúncia do Papa Bento XVI, aquele ser carismático, com toda aquela sua esbanjante simpatia, se atravessou na avenida em pleno Carnaval, criando uma sucessão de ohs! e outras interjeições de espanto. Mas também abriu a tampa de impropérios de todo o tipo, análises e chutes de todas as formas, além de mostrar que os corações peludos estão em pleno vigor
Pensei tanto no Joãozinho Trinta e aquela sua insofismável verdade contida na frase que esclarecia que quem gosta de miséria é intelectual, que quase nem levei em conta o silêncio dos protetores de animais sobre a depilação que os faisões e pavões, entre outros bichos que viram fantasias, sofreram antes do Carnaval desembocar nas avenidas, especialmente de São Paulo e Rio. Só fiquei ali, na frente da tevê, pelo menos até dormir de tédio aos 60 minutos do segundo tempo da segunda escola, esperando ver o PETA, aquele grupo ultra radical que atira tinta em casacos de pele e se auto-embala como carne crua, invadir a avenida com faixas e cartazes; ou mesmo se apareceriam as gostosas do Fêmen botando os peitos de fora e reclamando, no mínimo, da total desvalorização feminina – se bem que elas logo acabariam misturadas às cabrochas, passistas, destaques, silicones.
Nada. Quem atravessou o samba foi o Papa entregando os pontos e o cargo, querendo tirar logo, e antes de morrer, toda aquela roupa enfeitada e se enclausurar, como promete fazer assim que der no pé. O mundo todo ficou boquiaberto e – não sei se porque não gostamos de tanta surpresa assim – a partir daí já li e ouvi de um tudo. Tanto sobre os “verdadeiros” motivos de sua decisão, que agora parece que todo mundo conhece até o papel do banheiro do Vaticano e seus porões, com elogios de um lado e ataques de outro.
Aí que eu quero chegar. Numa boa, estão faltando só jogar pedras na Geni, desconhecendo os limites mínimos do respeito. Religião – seja qual for – é coisa séria, faz guerras, morre e mata, tem politicagem, roubalheira, escândalos e desvios, mas precisa ser respeitada entre os homens de boa vontade. Sempre tem quem viva dessa crença e não é direito de ninguém desprezar esse fato, até porque em seu nome grandes coisas também foram construídas. E, ao se tratar de catolicismo, emocional, dogmático, cheio de simbologismos, de lutas contra o Mal, de implementação de culpas e de Poder, a coisa não é diferente. Reparou como as emergentes lideranças evangélicas estão guardando um silêncio sepulcral sobre o assunto? Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
Mas os corações peludos, pelo menos os brasileiros, “tupiniquins”, não esperaram o sinal, e só está faltando organizarem abaixo-assinados do tipo desse aí que nem fez o Renan Calheiros se coçar. Nele, enumerariam os milhares de problemas enfrentados nos milhares de anos para provar que o Papa é desimportante, quase desnecessário, uma vez que – veja só! – não conseguiu acabar com a pedofilia, como se isso fosse possível, pretendeu que ninguém mais fizesse amor sem procriar e jogasse todos os métodos anticoncepcionais e preservativos fora, entre outras.
Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Conheço gente que acredita em coisas verdadeiramente inacreditáveis. Somos gente e gente falha. Queiram ou não as crenças permeiam tudo o que a humanidade desenvolve. Mas não impedem que outros pensem diferente ou mesmo os que seguem ordens religiosas volta e meia se desviem aqui e ali no escurinho do cinema.
Teremos milhares de abortos sendo feitos todos os dias; homens amarão homens e mulheres amarão outras mulheres sempre, porque aí tratamos de algo incontrolável, imponderável. Padres continuarão tendo desejos. E será crime se usarem a igreja para aplacar seu celibato envolvendo crianças.
Não é porque o Vaticano vaticina que o mundo vai ser melhor ou pior. Ele já é o que nós todos fazemos dele.
Independente da cor da fumaça que vamos ficar esperando sair da chaminé. E que inclusive pode vir a ser tingida de verde e amarelo.
São Paulo, depois de tempestades, raios, asteróides e meteoros ameaçadores, 2013
(*) Marli Gonçalves é jornalista – Só vi tanta fé junta assim quando os prêmios da loteria se acumulam. Mas, como sempre observa um amigo antigo, nunca coloquei a minha “igrejinha” para funcionar e ter a vida fácil garantida. Não trabalha não, para ver se cai do céu… – aprendi com o meu papa!
Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no http://marligo.wordpress.com. Estou no Facebook. E no Twitter @Marligo