Mudando o jogo – Os arranha-céus de Abu Dhabi desaparecem gradualmente no espelho retrovisor. A estrada passa por desertos, areia e poeira. Dos dois lados da pista, fios elétricos sustentados por postes altos mudam a paisagem e, ao mesmo tempo, abastecem de energia uma região onde o consumo individual de combustíveis fósseis é o mais alto do mundo.
Os moradores do emirado precisam de uma enorme quantidade de eletricidade para refrigerar residências e locais de trabalho. Até o momento, essa eletricidade é gerada quase que exclusivamente por petróleo e gás, mas, a longo prazo, essa situação poderá ser bem diferente,
A 120 km de Abu Dhabi está a maior usina de energia solar do mundo – a única do tipo nessa parte do planeta. Fileiras de espelhos curvados brilham ao sol até onde a vista alcança. O diretor da Masdar Clean Energy, Bader al-Lamki, explica que a área total do empreendimento é de 2.5 quilômetros quadrados, o equivalente a 285 campos de futebol.
A empresa matriz Masdar é dona de 60% da usina. O grupo francês de energia Total e o espanhol Abengoa possuem, respectivamente, 20% cada. A chamada Shams 1, cujo nome significa “sol”, deverá fornecer 100 megawatts de eletricidade.
Lamki trocou seu Keffiyeh, o pano usado pelos homens na região para cobrir a cabeça, por um capacete de segurança. Ao longo de uma extensa fileira de espelhos, percebe-se a diferença da Shams 1 para uma usina comum: em vez dos refletores fotovoltaicos, que convertem a luz solar diretamente em eletricidade, ela usa o calor do sol.
Os espelhos refletem os raios solares e os direcionam para um tubo absorvedor, no qual flui óleo, que, por sua vez, acaba aquecido. Esse calor é usado para evaporar água acionando turbinas de vapor que fornecem energia a um gerador.
Desafiando o clima
O processo é complexo e relativamente caro, explica Lamki. A usina custou 600 milhões de dólares, e existem dúvidas quanto ao seu custo-benefício. “Os preços precisam cair”, admite. “Nos últimos três anos, o custo das fotovoltaicas têm caído vertiginosamente. Em alguns lugares já chega a se equiparar com o gás.”
De todo modo, o fato é que Abu Dhabi se volta às energias renováveis. “Essa terra é abençoada duas vezes”, explica Lamki. “Por nossas reservas de petróleo e também pelo sol abundante. Até 2020, 7% da energia elétrica em Abu Dhabi serão gerados por meios sustentáveis.”
Segundo Lamki, a meta não podia ser ainda mais ambiciosa. “Como primeiro passo, esse já é um grande desafio, e não é pouco para um período de uma década”.
Extrair energia solar do deserto pode parecer, num primeiro momento, tarefa fácil, mas o processo é, na verdade, bastante complicado. O engenheiro Abdulaziz al-Obaidli lembra que não se pode esquecer, por exemplo, de fatores como a poeira, que dispersa os raios solares.
“Às vezes temos menos sol do que o sul da Espanha, apesar de estarmos mais próximos do equador. E soma-se a isso a alta umidade e o pó que se acumula nos espelhos”, explica.
E, para fazer a limpeza dos espelhos, é necessário água, um bem precioso em Abu Dhabi. O especialista busca uma maneira de limpar a seco, mas ainda não foi encontrada uma solução.
Na região, a escassez de água leva a temperaturas de mais de 50ºC no verão e causa grandes problemas para os sistemas de resfriamento, explica o diretor da Shams 1, Yousif al-Ali. Por essa razão, eles desenvolveram um sistema com ventiladores gigantes. Essa é, segundo ele, uma das maiores instalações de resfriamento já feitas no mundo.
Sem abrir mão do gás
Apesar das dificuldades, o diretor garante que a usina é a mais eficiente no mundo da categoria. A Shamas 1 utiliza aquecedores modernos a gás para garantir que o óleo aquecido pelo sol esteja sempre na temperatura mais eficiente para a realização das operações. O uso de gás não é incomum nos sistemas termo-solares, afirma Ali. Normalmente é utilizado à noite para a geração de energia.
Obaidli trabalhou na construção de usinas semelhantes na Espanha, onde a empresa Masdar também tem participação. Lá se utiliza sal para a transferência e armazenamento de calor, no intuito de garantir o funcionamento ininterrupto da usina .
Em Abu Dhabi, não há essa necessidade. Obaidli não deixa de se impressionar com a tecnologia de armazenamento, mas observa que a maior demanda de energia no emirado por volta do meio dia, quando os sistemas de refrigeração na cidade funcionam em força máxima.
Garantia para o futuro
Ali está convencido de que a Shams 1 será modelo para a região. Frank Wouters, diretor da Agência Internacional para Energia Sustentável (Irena), com sede em Abu Dhabi , também entende que a tendência nessa parte do mundo é de aderir à energia solar.
Jeffrey Sachs, diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia, é outro a aplaudir a iniciativa. “Essa região tem todos os motivos para promover o desenvolvimento da energia solar. Acho que a expansão representa uma ótima oportunidade para a região”, afirma.
Apesar das dificuldades em promover fontes de energia sustentáveis no coração da indústria mundial do petróleo, a consciência de que é necessário pensar no futuro após a era petrolífera é cada vez maior. “Existe a percepção que a expansão das energias renováveis será um pilar econômico importante, e que essa pode ser uma contribuição também para outras partes do mundo”, ressalta Sachs. E, nesse contexto, a Shams 1 pode realmente servir como exemplo. (Do Deutsche Welle)