(*) Ipojuca Pontes –
O Rio de Janeiro não é Estado nem cidade, mas, sim, uma vasta agência de publicidade, no geral a serviço da sedução e do engodo. Em matéria de propaganda enganosa, o Rio ganha fácil de Salvador-Bahia, outro osso duro de roer. Como não poderia deixar de ser, o veículo que incensa o balneário como “divino maravilhoso” é a irrefreável Rede Globo de Televisão, secundado por O Globo, jornal que em recente pesquisa apontou o Rio como uma “cidade feliz”. Aqui, um dado revelador: para o matutino, hoje comandado pela fina flor do esquerdismo festivo, a figura emblemática da felicidade carioca é a do falso malandro Zeca Pagodinho, sambista de segunda categoria (se comparado, por exemplo, com o mineiro Ataulfo Alves, o poeta do perdão, ou Moreira da Silva, criador do samba de breque, ou mesmo ao pernambucano Bezerra da Silva, alto partideiro da vagabundagem dos morros cariocas), processado como “traíra” por uma cervejaria com a qual assinou, mas não cumpriu contrato. Outro exemplar escolhido como representante da “alegria de viver do Rio” foi o paulista Luciano Huck, tipo de nariz adunco e voz desagradável que anima chatíssimos programas de auditório da própria Rede Globo. O que correria por trás de tanta mistificação?
Badalação à parte, faz tempo que o Rio chafurda na excrescência. Já no século XIX, com a Corte instalada no Paço Imperial, o governo inglês proibiu que seus navios ancorassem no cais da cidade, considerado pestilento. O próprio Paço e seu entorno eram tragados por um mar de lama, lixo e excrementos, acomodando uma população ociosa e mal vestida que se refinava no roubo e na malandragem. Cem anos depois, Lima Barreto, um carioca em permanente estado de revolta, anotou no “Escrivão Isaias Caminha” (livro sem o qual não se pode avaliar a ética relativista predominante no jornalismo caboclo) que, por trás de uma natureza luxuriante, o Rio submergia na desídia e na dissolução.
Mas o Rio atual – empenhado oficialmente na divinização do gayzismo, na liberação da droga e na radicalização da demagogia racial – piorou muito. De fato, há pelo menos três décadas – de Brizola a Sérgio Cabral, passando por Moreira Franco e Benedita da Silva – o Rio sofre sob o tacão de governos corruptos e incompetentes, todos azeitados na prática da politiquice e na procura da manutenção do poder a todo custo. Um deles, Anthony “Trêfego” Garotinho, hoje deputado da “base aliada” em Brasília, foi denunciado pela Polícia Federal por compartilhar esquema para facilitar crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e contrabando. Já o atual mandatário, Sérgio Cabral (que se diz leitor de “O Estado e a Revolução”, do sifilítico Lênin), depois de denunciado por improbidade pelo ex-governador Marcelo Alencar – este, tido como alcoólatra -, tornou-se em pouco tempo um dos homens mais ricos do pedaço.
Por que o carioca seria tão feliz? Vamos por partes. No capítulo transporte coletivo, por exemplo, a população que dele depende padece no inferno. Para os cinco milhões de usuários de seus trens, ônibus, barcas, vans e metrô, a regra geral é o convívio com a superlotação, o calor sufocante, o bodum da má conservação, colisões e atrasos que, por vezes, somam horas de tensão. Nesta agonia, o usuário se desespera. Resultado: periodicamente, após troca de socos e pontapés entre passageiros e seguranças da Central do Brasil, composições dos seus trens são incendiadas em rituais de fúria coletiva.
Por sua vez, com o trânsito caótico conduzir automóvel virou um tormento. Para superar apenas dez quilômetros o cidadão enfrenta exaustivos engarrafamentos, sendo que o usuário de táxi, para além das artimanhas do trânsito, vive acuado pela bandalha de motoristas desonestos que nunca são punidos. E com um agravante: a Guarda Municipal, sem a menor preocupação com o fluir do trânsito, expropria do cidadão milhões de reais tungados pela “indústria das multas”, cuja soma, afinal, ninguém sabe para onde vai.
No item limpeza urbana, basta assinalar que mês passado a Agência TripAdvisor Internacional elegeu o Rio “uma das dez cidades turísticas mais sujas do mundo”, ao lado de Bangkok e Bombaim, urbes 100% putrefatas. Só para ilustrar, diga-se que em certas áreas da Av. Atlântica, em Copacabana, os montículos de fezes são tantos que superam em quantidade e fedor os da própria ladeira da Montanha, em Salvador, local onde o nativo deita e rola a céu aberto após engolir seu acarajé no dendê.
Ia escrever sobre como as badaladas UPPs – Unidades de Polícia Pacificadora – convivem com a violência e o tráfico de droga nos morros cariocas (chamados de “comunidades”), mas o espaço acabou.
Fica para a próxima.
(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.