(*) Marli Gonçalves –
A gente não acredita muito em Astrologia, mas sempre que dá espicha o olho para o horóscopo e suas previsões. Tem quem queira tanto ter um que acaba como agora, com tanta fertilização, tendo dois, três ou mais filhos de uma vez só, mais que gêmeos. Essa nossa natureza toda é tão doida que permite que achemos nossos pares por aí, pessoas iguais por dentro; que nasçamos iguais, por fora, ou até grudados. Permite que a gente se alinhe com os astros e que os astros nos ajudem a conduzir essas nossas vidas em busca de ideais e almas, gêmeas também, e que às vezes, estão só nos nossos espelhos. Ou não, como diria Caetano.
A mulher simples, Kátia, de sotaque nordestino, sorria à toa no hospital, aquele sorriso franco da alegria desmedida. Nos braços, em cada um dos braços, uma linda menina. Eram Ana Clara e Anne Vitória, sete meses de idade, e há poucos dias separadas de uma união de irmãs quase fatídica. Elas são gêmeas siamesas, nasceram ligadas pelos órgãos genitais, pelo final da coluna e da medula, e foram operadas com raro sucesso em São Paulo, para separação dos corpos, numa história realmente comovente, desde sua origem no Rio Grande do Norte. Literalmente desde a origem, da descoberta da gestação gemelar, do parto “aperreado” feito por um médico quase desconhecido, porque o hospital para onde o parto estava previsto foi interditado dias antes por causa de uma bactéria que matava os bebês. Não parece aquela coisa de futebol americano, gente que corre com a bola debaixo do braço? Ou que corre fugindo das minas terrestres?
Essas coisas que mexem com a gente quando assistimos na tevê, e nos lembram de quanto – por mais aperreados que estejamos também- sempre tem alguém que nos supera e impressiona, e justamente por isso mesmo: a capacidade de superação. A ilustração desse fato, no entanto, me fez pensar em Gêmeos, o signo astrológico que entra no ar essa semana, por acaso o meu; pensar em gêmeos, pessoas gêmeas, causas gêmeas, coisas gêmeas. Pensar na harmonia do número – um é pouco, dois é bom, três é melhor.
Me fez pensar ainda em quantas coisas gêmeas há, inclusive as tais almas, espirituais, filosóficas, num patamar superior e ainda, para mim, inalcançável. Embora acredite até que já a encontrei nessa vida, mas ela se perdeu por aí virando alma mesmo, também infelizmente literalmente.
Coisas banais podem ser gêmeas: unhas (pintar apenas duas, ou só duas de uma mesma cor e as outras diferentes) e toda sorte de conjuntinhos, entre os quais os estampados que viraram moda por causa das roupas da delegada da novela. Casas. Cidades também arrumam seus iguais, distantes, mas que viram ou cidades gêmeas, ou cidades-irmãs. Sabia que São Paulo é cidade-irmã de Milão? Que Brasília é irmã de Washington? Salvador, de Los Angeles? Que o Rio de Janeiro tem mais de dez – Tel-Aviv, Manágua, Havana, entre elas? Pois são.
Lembrar-nos do quanto gêmeos podem ser diferentes entre si. Como podemos ser, ao mesmo tempo, tão iguais a pessoas completamente diferentes. Como a beleza da mitologia explica algumas das nossas tantas possibilidades reais de sobrevivência, por exemplo, entre irmãos. Castor e Pólux, da lenda, filhos de Júpiter, que se transmutou em cisne para engravidar uma princesa, e daí ambos terem nascido de ovos: eram tão ligados que, quando em uma batalha Castor é mortalmente ferido, o irmão suplica e consegue fazer com que ele retorne à vida, aceitando dividir com ele a sua imortalidade, em alternância.
Passou tanta coisa na cabeça! Inclusive como Ana e Anne viveriam o resto de suas vidas coladas, como tantos outros siameses vivem pelo mundo, estranheza de jamais estar só, a divisão de órgãos, vontades, pensamentos. Ambos tendo que chegar a conclusões únicas, mesmo que um queira ir para lá, e o outro para cá.
Par, ímpar. Uni, duni, tê, um sorvete colorê pra você lambê. Bis.
São Paulo, parlendas possíveis, 2013
(*) Marli Gonçalves é jornalista – Sempre existe um sapato velho para uma roupa nova, um chinelo para um pé descalço; toda panela tem uma tampa, toda meia tem o seu pé, toda luva a sua mão. E nem sempre tudo é igual.
Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no http://marligo.wordpress.com. Estou no Facebook. E no Twitter @Marligo