(*) Ucho Haddad –
Acompanhando o futebol há quase cinco décadas, com trinta anos dedicados à análise crítica do esporte bretão, sinto-me à vontade para qualquer análise, inclusive sobre Neymar, que nos últimos tempos foi, em tese, a salvação do Santos Futebol Clube. As palavras abaixo não significam torcida contrária, mas a interpretação realista de um cenário que em breve se desenhará na vida do jovem santista que foi a maior sensação da Vila Belmiro depois de Edson Arantes do Nascimento. Sempre lembrando que entre ambos há uma galáxia de distância.
A ida de Neymar para o Barcelona era uma questão de tempo. Nos últimos dias tornou-se questão de horas. E de dinheiro também! Muita fumaça foi criada diante de uma negociação que avançava a passos largos nos bastidores, mas a decisão de deixar o Santos FC já estava tomada. Bastava a calculadora exercer o papel de bússola, apontando a agulha na direção do tesouro que será dividido.
Essa despedida foi e será boa para todos os lados. Neymar terá a oportunidade de conhecer como a bola rola nos gramados do Velho Mundo, ao mesmo tempo em que poderá provar que consegue ser rei do outro lado do Atlântico. O que não é tarefa fácil. No contraponto, o Santos FC coloca dinheiro em caixa, ao invés de ficar com as mãos abanando em janeiro próximo.
Além da parte financeira, o alvinegro praiano, a partir de agora, poderá exigir mais empenho e resultado do restante de uma equipe que não é dos sonhos. Para honrar o milionário salário de Neymar, o Santos era obrigado a concordar com a conturbada agenda do atacante, que desempenhava muito mais o papel de garoto-propaganda do que de atleta. E as concessões feitas a Neymar, que há muito deixou de corresponder dentro de campo, provocavam instabilidade no elenco santista.
Jogador acima da média, é verdade, Neymar optou por jogar na melhor equipe de futebol da atualidade. Se quiser ser tratado em Barcelona com a mesma pompa e circunstância que lhe dedicam os torcedores brasileiros, terá de fazer sombra ao argentino Lionel Messi, que, gostem ou não os fãs do ex-atacante santista, é um jogador completo dentro e fora de campo. Mas não insuperável. Messi é tão competente, que até no videogame ele é craque.
Longe de qualquer comparação na seara da capacidade futebolística, a transferência de Neymar para o Barcelona repete a fuzarca que marcou a saída de Robinho da Vila Belmiro. Sem tirar o fôlego dos torcedores dos times pelos quais passou, começando pelo Real Madrid, Robinho desembarcou na Europa na esteira de suas fantasiosas pedaladas. Vencido o prazo de validade de seu espetáculo circense, Robinho tornou-se mais um no meio de muitos.
Neymar dividirá o Camp Nou com estrelas do brilho de Messi, Fàbregas, Xavi Hernández, David Villa e Iniesta, entre outros bons de bola. Esse detalhe pode fazer com que o talento de Neymar ganhe destaque, mas não se pode esquecer que futebol é negócio e ninguém quer perder. Nos cinco anos em que esteve na equipe principal do Santos, Neymar teve um time que jogava em sua função. No Barcelona, o atacante terá de se acostumar com a ideia de jogar coletivamente. Pode parecer pouco, mas não é para quem está acostumado a ter vários “garçons” ao seu dispor.
A partida de despedida de Neymar, no Estádio Mané Garrincha (Brasília), contra o Flamengo, foi o derradeiro capítulo de uma fase nada animadora. Muitos dirão que o jogador vinha sendo cobrado de maneira demasiada e que a emoção falou mais alto, mas um salário mensal de R$ 4 milhões não aceita desculpas. Executivos de grandes empresas são muito mais cobrados do que Neymar, mesmo recebendo salários que chegam no máximo a 1% do que ganha o jogador.
Caso queira manter o sonho de se tornar o melhor jogador do planeta, Neymar precisará se concentrar em alguns pontos: jogar futebol, abandonar as firulas e não cair a todo instante. Afinal, o futebol europeu é mais duro do que o verde-louro e o apito do árbitro ignora encenação. Do contrário, na conhecida e festejada constelação em que se transformou o Barcelona o jovem Neymar será apenas mais um meteoro.
Neymar, mantenha a humildade e faça o melhor, pois sempre haverá uma nação torcendo por você do outro lado do oceano.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista político, cronista esportivo, escritor e poeta.