(*) Do Deutsche Welle –
Fazia muito tempo que Ed Motta, dono de uma das vozes mais potentes e versáteis do Brasil, não se apresentava no Velho Continente, e não apenas por conta da agenda lotada no Brasil. “Era por pânico de voo de longa distância, mesmo. Foram quase oito anos sem vir à Europa por causa desse medo. Já estou melhor agora, consigo entrar no avião, mas não quero dizer que estou curado, porque o pânico pode voltar”, diz Motta, que lançou há pouco o envolvente AOR, décimo terceiro título de uma discografia densa, alternando hits que estouraram nas pistas de dança – como “Manuel”, “Vamos Dançar” e “Já” – com fases de inquietação estética e pouco apelo comercial.
A passagem pela Alemanha vai ter também alguns destaques do artista na capital. Um repertório que tem tudo para agradar aos fãs da discoteca norte-americana dos anos 1970 e 1980. Como bem disse Ed Motta em entrevista para a DW Brasil, uma música de alcance planetário, muitas vezes subestimada pelos críticos mais sisudos pelo enorme sucesso que teve quando nomes como Chicago, Doobie Brothers e Barry White sacudiam as rádios.
O título do disco, AOR, é um termo criado no meio fonográfico para designar a chamada música das rádios FM, abreviação em inglês de Adult-Oriented-Rock. O álbum foi lançado em duas versões: uma com as canções em português, com letras escritas por Rita Lee, Adriana Calcanhotto e Chico Amaral, e a outra em inglês.
Seu novo disco reitera a sua opção por investir na sofisticação harmônica e em arranjos apurados. A sua sonoridade hoje seduz mais pela sutileza do que pelos beats irresistíveis de outrora. O Ed Motta quarentão ficou mais cerebral?
Ed Motta: (Risos) Esse disco é o reflexo de uma série de coisas que venho experimentando em música, digamos, nos últimos vinte anos. Vem desde a primeira trilha que fiz para o cinema, quando eu tinha dezoito anos, para o filme Leonora Down (1991). A partir daí, comecei a me aprofundar nos estudos da música. Gravei dois álbuns instrumentais, o Dwitza (2002) e o Aystelum (2005), fiz o musical 7 [com Cláudio Botelho e Charles Moeller], espetáculo que ficou em cartaz quase um ano no Rio de Janeiro e em São Paulo. Venho tentando o meu melhor dentro do que a vida vai me ensinando. Espero que quando eu tiver 60 anos, faça um disco melhor, que eu saiba mais música e tenha mais sabedoria de vida.
Por que você considera AOR um de seus trabalhos mais intrincados?
O Dwitza e o Aystelum são avantgarde, já o AOR é uma ode a uma música que eu sempre ouvi desde criança e que sempre me influenciou. Eu não procuro ser original com esse novo disco, nem pioneiro. O que quero é evidenciar algo que sempre existiu nas nossas vidas, esse tipo de música que toca em todas as rádios “adultas”, em todas as partes do mundo, como Christopher Cross cantando Sailing. Existe um tipo de olhar para essa música como se fosse algo descartável, mas não é. Há uma forma de se servir essa música com talheres de prata. Minha ideia foi colocar essa estética dentro desse editorial “jazzístico”, de alta precisão de estúdio, de arranjos etc.
Na versão em inglês do AOR, quase todas as letras foram feitas por Rob Gallagher. Como surgiu a parceria entre vocês?
Surgiu no meu disco Chapter 9, de 2008. O Rob Gallagher era da banda Galliano, uma das pioneiras do chamado acid-jazz, como a Jamiroquai. Aliás eu tenho vontade um dia de lançar as versões de Rob para as nossas músicas. Ele é um supercantor, que tem um timbre de voz como o de Scott Walker, meio David Bowie. Um dia eu quero lançar um The Rob Views of Mottas Songs.
O contato entre vocês durante a composição se deu pela internet?
Tanto com o Rob como com todos os parceiros no Brasil, foi tudo pela internet. Antes de haver internet, era via fax. Nunca me encontrei com ninguém para escrever música junto.
Nem na época da banda Conexão Japeri, no começo de sua carreira?
Nem naquele tempo. Eu sempre fui louco por estúdio, sou muito caseiro, um hermitão que vive ouvindo disco, lendo e vendo filmes, coisa de nerd mesmo. E eu me lembro que o primeiro dinheirinho que ganhei fazendo show, no Robin Hood Pub que havia no Alto da Boa Vista, no Rio, deu para comprar um gravador de seis canais pelo jornal Balcão (semanário de classificados). Aquilo foi uma revolução na minha vida. Isso em 1986, dois anos antes de sair nosso primeiro disco. Eu tinha 13, 14 anos.
Esse gravador me fez inclusive ficar mais gordo – eu sempre tive tendência à obesidade, porque ficava muito em casa, fazendo minhas fitas-demo. Esse foi um dos motivos para a Conexão Japeri acabar. Ela só durou um disco, porque eu já chegava com tudo absolutamente pronto. Depois eu percebi que não dava para ficar numa banda estando cada vez mais ligado aos meus trabalhos no estúdio. Esse meu disco novo foi todo gravado no meu estúdio profissional que tenho em casa. Um estúdio que o tempo me deu, graças a Deus.
O fã brasileiro encontra também o CD na versão em inglês para comprar nas lojas do Brasil?
Inicialmente só através de importação, mas estamos pensando em fazer uma edição deluxe no final do ano, com as duas versões do AOR. Isso seria um sonho.
Esse novo álbum sairá também em vinil?
Na Alemanha vai sair em vinil, sim, fabricado aqui mesmo. Já o vinil brasileiro foi fabricado na República Tcheca e é branco. Só lá que se faz vinil branco com qualidade. O vinil brasileiro vai virar raridade, pois a gente só mandou fazer 500 cópias. Assim que eu chegar de volta ao Brasil, vou divulgá-lo. A cada momento você tem que ter um assunto novo para o mercado que, mundialmente, está cada vez mais difícil para quem faz música de verdade. Seria injusto dizer que esse é um problema do Brasil. Viajo o mundo inteiro com a minha música e vejo o quanto se consome em péssima música.
O que você achou da coletânea que a gravadora norte-americana Luaka Bop lançou do seu tio, Tim Maia, nos Estados Unidos?
A única coisa triste nesse disco foi que omitiram o crédito de Paulinho Guitarra, que é autor de duas músicas do disco. Isso é um crime contra o direito autoral. É uma coletânea criminosa.