Dilma critica bloqueio a voo do boliviano Evo Morales e exige pedido de desculpas dos europeus

Confusão no ar – A presidente Dilma Rousseff afirmou nesta quarta-feira (3), por meio de nota, que recebeu com “repúdio e indignação” o fato de alguns países europeus terem impedido o sobrevoo do avião do presidente boliviano, Evo Morales, em seu espaço aéreo. A declaração agrega tensão a um imbróglio diplomático com implicações não só para América Latina, como também para Estados Unidos e Rússia.

Na terça-feira (2), Portugal, França e Itália negaram autorização de entrada ao avião de Morales, que estava na Rússia e, rumo a La Paz, teve de ser desviado para Viena por causa suspeita de que estaria acobertando a fuga do ex-consultor da CIA Edward Snowden. O norte-americano é caçado em todo o planeta pelos EUA por espionagem, depois de ter tornado públicas as atividades secretas de espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês).

“O governo brasileiro expressa sua indignação e repúdio ao constrangimento imposto ao presidente Evo Morales por alguns países europeus”, destaca a nota distribuída pela assessoria do Palácio do Planalto. “O noticiado pretexto dessa atitude inaceitável além de fantasioso é grave desrespeito ao Direito e às práticas internacionais e às normas civilizadas de convivência entre as nações.”

No comunicado, Dilma enfatiza que a medida “acarretou risco de vida” para Morales e, sem citar nomes, exigiu um pedido de desculpas por parte dos países envolvidos. O constrangimento ao presidente, prossegue o texto, atinge não só a Bolívia, mas a “toda a América Latina”.

Indignação boliviana

O episódio ameaça ser o estopim de uma crise diplomática com dimensões intercontinentais. O embaixador da Bolívia nas Nações Unidas, Sacha Llorenti Ortiz, declarou à imprensa, em Genebra: “As decisões desses países violaram a legislação internacional. Já estamos tomando medidas para denunciar o caso ao secretário-geral da ONU […]. Consideramos isso uma agressão.”

Mostrando-se indignado, o diplomata não hesitou em acusar diretamente o governo americano. “Trata-se do sequestro do presidente durante uma viagem oficial, após uma conferência de cúpula oficial. […] Não há qualquer dúvida que se tratou de uma ordem da Casa Branca […]. Sob nenhuma circunstância um avião diplomático com um presidente a bordo pode ser desviado de sua rota e forçado a aterrissar num país terceiro.”

O ministro boliviano da Defesa, Ruben Saavedra, também sugeriu que o Departamento de Estado dos EUA estaria por trás pelo menos da decisão de Lisboa e Paris. “Temos a suspeita de que [Portugal e França] foram usados por poderes estrangeiros, neste caso, os Estados Unidos, como forma de intimidar o Estado boliviano e o presidente Evo Morales.”

Guerra de versões

O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal admite ter negado o sobrevoo do território nacional e a aterrissagem em Lisboa na segunda-feira à tarde, mas por motivos técnicos. No entanto, a interdição de sobrevoo foi suspensa às 21h10 do mesmo dia, enquanto a aterragem seguiu vetada “por considerações técnicas”, prosseguiu o órgão.
O governo espanhol nega categoricamente que em qualquer momento tenha interditado ao chefe de Estado boliviano o acesso a seu espaço aéreo, ou mesmo exigido que o avião fosse registrado em Viena.

Já o presidente francês, François Hollande, afirmou nesta quarta-feira, em Berlim, que deu autorização para o avião do presidente boliviano sobrevoar a França logo que soube que Evo Morales estava a bordo.

Segundo um deputado governista, o Parlamento boliviano vai pedir a expulsão dos representantes diplomáticos de França, Portugal e Itália como represália pela interdição de sobrevoo do espaço aéreo ao avião de Morales.

O avião de Evo Morales só pôde levantar voo de Viena por volta do meio-dia (na hora local) desta quarta-feira e, após uma escala para serviços técnicos em Las Palmas, nas Ilhas Canárias, rumou para La Paz. Já Edward Snowden continua, segundo informações não confirmadas, em área de trânsito do aeroporto de Moscou. (Com agências internacionais)

Confira abaixo a íntegra da nota divulgada pela Presidência da República

“Nota Oficial

O governo brasileiro expressa sua indignação e repúdio ao constrangimento imposto ao presidente Evo Morales por alguns países europeus que impediram o sobrevoo do avião presidencial boliviano por seu espaço aéreo, depois de haver autorizado seu trânsito.

O noticiado pretexto dessa atitude inaceitável – a suposta presença de Edward Snowden no avião do Presidente –, além de fantasiosa, é grave desrespeito ao Direito e às práticas internacionais e às normas civilizadas de convivência entre as nações. Acarretou, o que é mais grave, risco de vida para o dirigente boliviano e seus colaboradores.

Causa surpresa e espanto que a postura de certos governos europeus tenha sido adotada ao mesmo momento em que alguns desses mesmos governos denunciavam a espionagem de seus funcionários por parte dos Estados Unidos, chegando a afirmar que essas ações comprometiam um futuro acordo comercial entre este país e a União Europeia.

O constrangimento ao presidente Morales atinge não só à Bolívia, mas a toda América Latina. Compromete o diálogo entre os dois continentes e possíveis negociações entre eles. Exige pronta explicação e correspondentes escusas por parte dos países envolvidos nesta provocação.

O governo brasileiro expressa sua mais ampla solidariedade ao presidente Evo Morales e encaminhará iniciativas em todas as instâncias multilaterais, especialmente em nosso Continente, para que situações como esta nunca mais se repitam.

Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil”