Bola de cristal – Nada é mais insuportável do que alguém querendo adivinhar o pensamento ou o sentimento de outra pessoa. Esse messianismo barato torna-se absurdo quando incorporado ao jornalismo. Uma coisa é analisar um fato, outra é querer decifrar o pensamento dos protagonistas. No jornalismo brasileiro essa prática abominável foi inaugurada pelo locutor Galvão Bueno, cujos índices de rejeição a Rede Globo insiste em ignorar.
Dono de soberba desmedida, Galvão costuma traduzir o pensamento de pilotos da Fórmula 1 que, por exemplo, enfrentam dificuldades para ultrapassar um adversário ou abandonam a corrida por falha no carro. É inaceitável esse tipo de comportamento, mesmo que garanta índices extras de audiência. Fosse uma emissora comprometida com a verdade, a Globo já teria dado um fim na porção “Mãe Dinah” de Galvão Bueno.
O mais preocupante é que Galvão vem fazendo escola na Vênus Platinada. No último final de semana, durante a partida entre Corinthians em Bahia, válida pelo Campeonato Brasileiro, o jogador Renato Augusto precisou ser substituído às pressas. Atingido no rosto por uma violenta cotovelada do jogador Souza, do Bahia, o meio corintiano, antes de deixar o gramado, achou-se e começou a chorar.
Com a câmera de televisão focada no rosto de Renato Augusto, o locutor global Cléber Machado, cuja competência não precisa dos rapapés de Galvão Bueno, afirmou que o jogador chorava por saber que ficaria afastado dos gramados por causa da contusão. Como o locutor da emissora carioca conseguiu adivinhar o sentimento de Renato Augusto? Que clarividência é essa que o mundo desconhece? O pior é que seus companheiros de transmissão endossaram a adivinhação irresponsável.
Diferentemente do que afirmou o locutor, Renato Augusto chorou por causa da dor provocada pela fratura do arco zigomático, conhecido como “osso da bochecha”. A dor causada por qualquer lesão no osso zigomático é extremamente forte, o que não confere ao locutor fazer afirmações descabidas. Quando a lesão no osso zigomático afeta um nervo craniano chamado trigêmeo, a dor é simplesmente insuportável e leva o paciente ao desespero.
Cléber Machado perdeu a chance de ficar calado, pois somente quem já enfrentou dores provocadas por lesão no osso zigomático sabe o que é ter motivo de sobra para chorar.