De: Ucho Haddad – Para: Dilma Rousseff – Assunto: Arapongagem ianque e balelas palacianas

    (*) Ucho Haddad –

    Dilma, lembro, como sempre, que a formalidade será deixada de lado para garantir a fluidez de mais um dos nossos costumeiros colóquios, os quais têm levado aos quatro cantos do Brasil a sua verdadeira essência. Pensei em lhe conceder um período de sossego, pois enfrentar uma grave crise política com a sua competência não é tarefa fácil, mas foi impossível manter o interregno. Sendo assim, coube-me o dever de retomar a pena e escrever sobre os absurdos que comete.

    Pela primeira vez sou obrigado a concordar com você, Dilma. Os norte-americanos abusaram em relação à violação de telefonemas e e-mails de milhões de brasileiros. Por certo nada de diferente descobriram além do que o mundo já sabe. Que o Brasil é uma bilionária republiqueta de bananas, cujo combustível do dia a dia é a corrupção endossada pelo seu governo. O pior é que você fala em combate à corrupção como se fosse a versão de saias de Don Quixote.

    Deixemos a corrupção de lado, que é o coxo onde muitos “companheiros” se comprazem, e passemos à bisbilhotice da Casa Branca. Dilma, você precisa reconhecer, mesmo que nos bastidores, que essa brincadeira ianque de espionar nessa louca Terra de Macunaíma serviu para amainar o furacão político que subiu a rampa do Palácio do Planalto e se instalou no seu gabinete. Por isso, controle-se quando for criticar o abuso de Barack Obama e seus “golden boys”, pois do contrário essa novela acaba antes da hora e você de novo estará na linha de tiro da opinião pública.

    Estar na Presidência da República exige que o ocupante do cargo tenha a tiracolo uma usina de balelas, mas você extrapolou ao dizer que o mexerico da Casa Branca é, entre tantas coisas, violação dos direitos humanos. Não contente, você disse que não admite esse tipo de intromissão por parte de países estrangeiros. Tudo bem, Dilma, quem não lhe conhece é capaz de acreditar nessa estória palaciana criada às pressas e que você não se deu ao trabalho de decorar o roteiro. Tanto é assim, que nas entrevistas ficou evidente que você não sabia o que falar. Até erros de português você cometeu mais de uma vez.

    Então, Dilma, quer dizer que você não tolera violações de privacidade quando cometidas por estrangeiros. Ou será que você também condena as transgressões cometidas pela “companheirada” nesta mesma seara? Em caso positivo, o que duvido muito, é preciso que você explique aos brasileiros de bem o que foi aquela barbaridade cometida na sua campanha ao Palácio do Planalto, em 2010, quando criminosos contratados pelo partido violaram o sigilo fiscal de familiares de José Serra e políticos do PSDB. Provavelmente você dirá que de nada sabia, mas essa cantilena perdeu o prazo de validade ainda na era do lobista Lula.

    Enquanto pensa na resposta, sugiro que revele ao País os motivos que a levaram a autorizar o vazamento para a imprensa das despesas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e da ex-primeira-dama Ruth Cardoso. Você era ministra-chefe da Casa Civil e esses dados estavam sob sua responsabilidade. É verdade que o PT ainda enfrentava as reticências do escândalo do Mensalão e por isso precisava criar um factóide para tirar o foco da opinião pública. Ou seja, só as suas despesas e as do fugitivo Lula devem ser mantidas em segredo. E de forma corriqueira você comete a ousadia de falar em democracia.

    Esse seu discurso em defesa da democracia, Dilma, é tão verdadeiro quanto uma nota de R$ 13. Dar guarida a um projeto totalitarista de poder e ao mesmo tempo falar em democracia só tem duas soluções: cadeia ou hospício. É fato que de louco todos têm um pouco, mas creio que você anda passando da conta.

    Pois bem, Dilma, você deve estar com dificuldade para encontrar respostas, até porque responder o irrespondível é mais difícil que operar milagres. Por isso passo a uma questão mais simples. Apenas para reavivar sua memória, você disse que é contra a violação de privacidade.

    Seguindo suas declarações, mesmo que mentirosas, sugiro que explique o que significa um dos seus companheiros de partido agindo em conluio com um banqueiro criminoso para grampear os meus telefones. Uma das minhas conversas, que classifico como paroquial, foi suficiente para esse tal companheiro me ameaçar de morte. O sujeito é tão covarde, Dilma, apesar de toda a fama de durão, que fez a ameaça por meio de terceiros. Escalou um estafeta de quinta do seu partido para que o recado chegasse até mim. Covarde com todas as letras, como nove entre dez integrantes do seu partido, Dilma, pois quem saqueia os cofres públicos enquanto distrai a população com esmolas sociais não merece outro tratamento.

    Dilma, ainda na questão da violação da privacidade, assunto que você diz condenar com veemência, quando seus companheiros de partido se incomodam com determinado fato, não demora muito para que a tropa de plantão entre em cena para ameaçar e sequestrar familiares dos desafetos, invadir computadores, grampear telefones e outras práticas criminosas que em qualquer lugar do planeta já teria proporcionado a esses bandoleiros de aluguel o privilégio de contemplar o nascer do astro-rei de forma geometricamente distinta.

    Experimentar o próprio veneno não é agradável para qualquer ser humano, mas você reforça as doses de frieza e falsidade para, diante de câmeras e microfones, condenar aquilo que vocês petistas fazem com a destreza de um criminoso acostumado a frequentar saloon de faroeste. Sua capacidade de representação é tamanha, Dilma, que você consegue passar ao povo uma indignação fabricada nos subterrâneos do universo em que vive.

    A declaração acerca da violação da soberania no caso da espionagem norte-americana é jurídica e tecnicamente válida, mas sua preocupação maior não é com os brasileiros que eventualmente tiveram a privacidade ultrajada, mas, sim, com a eventual descoberta dos planos de um governo comandado por um partido que há muito é caso de polícia. E não se altere por causa dessa afirmação que ora faço, pois os mensaleiros estão aí para endossar minhas palavras.

    Dilma, os brasileiros que foram as ruas e representaram a extensa maioria da população não querem saber do grupo interministerial criado para investigar a ação bisbilhoteira do governo dos Estados Unidos. Nós, cidadãos de bem, exigimos a devida contrapartida dos impostos pagos e que a cada ano consomem cinco meses de trabalho de cada contribuinte. Anunciar medidas cujos resultados surgirão daqui a dez ou quinze anos não interessa, pois vocês já tiveram tempo de sobra para brincar de governar.

    Seja honesta consigo mesma, Dilma, e reconheça o seu fracasso como presidente, deixando de lado esses rapapés de última hora, como o pífio espetáculo de se agarrar à espionagem patrocinada pelo Tio Sam. Qualquer ser minimamente responsável e sem apego ao poder já teria desocupado o Palácio do Planalto, caso enfrentasse situação tão vexatória quanto a que ronda o seu cotidiano.

    Dilma, estar presidente tem lhe feito muito mal. Basta olhar para o fracasso da recente cirurgia plástica que repaginou o seu visual. As rugas de preocupação já impuseram incontestável derrota ao eficiente bisturi do cirurgião. Na vida há certos momentos em que o ser humano precisa reconhecer a derrota, o que não significa desistir. Sair de cena muitas vezes é a decisão mais acertada.

    Há no Brasil legiões de pessoas que sonham com o seu impeachment, mas tenho defendido o seu direito de estar no comando do País, até porque você foi eleita democraticamente, mesmo que para isso tenha prevalecido a ignorância popular. Paciência, eis o preço de se viver em um país como o Brasil, onde um cartão com o brasão da República que garante esmola mensal consegue formar um obediente curral eleitoral.

    A crise – política e econômica – por enquanto está aparentemente controlada, mas no momento em que os caraminguás do Bolsa Família desaparecerem no ralo da inflação você estará fadada à mais impressionante derrota política da história nacional. Pense na possibilidade de pegar o boné enquanto é tempo, Dilma, mas antes presenteie os brasileiros com um simples ato. Admita ter recebido uma herança maldita, pois só assim o Brasil será salvo do pior.

    (*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e cometarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.