Série de casos de doping abala o atletismo mundial

Castelo de areia – Quando cruzou a linha de chegada, Tyson Gay cravou um resultado histórico, e quase ninguém prestou atenção. Naquele 16 de agosto de 2009, ele conseguiu a marca mais rápida da história de seu país, no Mundial de Atletismo de Berlim. O novo recorde americano era agora de 9,71 segundos, apenas dois décimos a mais que o recorde mundial.

Mas o excelente tempo de Gay interessava a poucas pessoas, pois, antes dele, quem cruzou a linha de chegada foi Usain Bolt, com a marca fantástica de 9,58 segundos, tempo que muitos cientistas pensavam ser impossível. Enquanto Bolt era festejado no Estádio Olímpico de Berlim, Gay era apenas prata, o que, entre os principais velocistas geralmente é sinônimo de “primeiro perdedor”.

No próximo Mundial de Atletismo de Moscou (de 10 a 18 de agosto), Gay queria finalmente sair da sombra de seu grande concorrente e derrubar Bolt. Depois de anos com problemas de contusão, ele parecia se tornar a maior ameaça a Bolt neste ano, tendo feito repetidas vezes tempos melhores que os do jamaicano.

“Acho que tenho boas chances contra qualquer um no mundo”, disse Gay há menos de duas semanas. “Só preciso me manter saudável.”

Tyson Gay estava errado. E é muito improvável que nem participe da Copa do Mundo, já que foi flagrado num exame antidoping ─ assim como os jamaicanos Asafa Powell e Sherone Simpson. O próprio Gay tornou seu caso público, reconhecendo um teste de doping positivo, mas sem especificar a substância encontrada. Ao divulgar o ocorrido, ele lançou sua estratégia de defesa.

“Confiei em alguém e provavelmente fui deixado na mão”, afirmou, dando a entender que fora dopado sem saber.

O lado positivo do escândalo

Sua alegação tem pouca credibilidade, já que a prova de 100 metros rasos é cercada há anos por casos similares, uma competição duvidosa, repleta de corredores musculosos. No mais tardar, a partir do escândalo de doping de Ben Johnson, nas Olimpíadas de 1988, a credibilidade dos vencedores desta disciplina olímpica se encontra abalada.

“A dúvida sempre corre junto”, reconhece Helmut Digel, membro do conselho da Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF, na sigla em inglês). No entanto, a notícia dos casos positivos é, para ele, “um choque, e sem dúvida, um escândalo. Porque, para todos os atletas, é uma vergonha o que fraudadores estão fazendo no atletismo”.

As revelações de doping de Tyson Gay e do jamaicano Asafa Powell deixaram o atletismo internacional em estado de choque pouco antes do Mundial da categoria. “A credibilidade do nosso programa antidoping e do atletismo é reforçada, cada vez que descobrimos um novo caso, não enfraquecida”, insiste Nick Davies, vice-secretário-geral da IAAF.

Também Clemens Prokop, presidente da Federação Alemã de Atletismo, tenta ver algo positivo no escândalo. “Por um lado, estes casos representam, evidentemente, um fardo para o esporte”, reconhece. “Mas, por outro lado, eles mostram que o esporte leva a sério a luta contra o doping, e que cada vez mais fraudes são descobertas, e os envolvidos, excluídos. Acredito que, no final, o atletismo sai vencendo depois de tais processos”.

Uso contínuo

A prova disso ainda deverá ser fornecida nos 100 metros rasos – se é que poderá ser fornecida um dia. O especialista em doping Wilhelm Schanzer, diretor do instituto de bioquímica da Escola Superior de Esportes da Alemanha, em Colônia, tem pouca confiança na disciplina.

“Nós sabemos que o doping era um grande problema nos 100 metros rasos e possivelmente ainda é”, reconhece. Para ele, a substância encontrada nos corredores jamaicanos, oxiflorina ─ originalmente concebida para pessoas com má circulação ─, também pode ter entrado no corpo dos atletas através de suplementos alimentares contaminados.

O especialista destaca que estimulantes como a oxiflorina fazem mais sentido de serem usados em tipos de esportes de maior duração. No caso dos 100 metros rasos, ele acredita no uso constante de anabolizantes que levam ao crescimento muscular.

“As melhoras de desempenho das últimas décadas têm, essencialmente, conexão com esteroides anabolizantes e, possivelmente, com hormônios de crescimento, que dão resultados que não podem ser obtidos com estimulantes”, avalia.

Independente de como os casos de doping envolvendo Gay e Powell vão acabar, além dos oito competidores na final dos 100 metros rasos do Mundial de Atletismo de Moscou, também estará correndo na pista nove outro eterno participante da prova: a dúvida. (DW)