Cartas, bilhetes e recados

    (*) Marli Gonçalves –

    Vamos lá! Quantas vezes você já não pensou em escrever para alguém uns desaforos? Ou uma carta com tudo o que não teve coragem de dizer pessoalmente? Ou mesmo deixar um bilhetinho grudado na porta, da rua ou da geladeira, com algum galanteio?

    Não é exatamente, mas também não deixam de ser cartas esses artigos que escrevo, prezado leitor/a, com coisas que quero dizer mas como não sei exatamente onde encontrar todos vocês, expresso em textos nos quais acabo incluindo um monte de assuntos que falam da vida, do país, de mim e do que passamos, e que imagino você também. Não escrevo “De” ou “Para”, mas sou a remetente e você nem precisa decorar o CEP para me dizer.

    Aliás, elas, as cartas, perderam demais para o tal e-mail, correio eletrônico, SMS, torpedos, recados e outras formas de contato via redes sociais, diretas ou em 140 caracteres, alguns possibilitando até a própria voz. Mas não é igual à carta, que impõe uma distância maior a ser percorrida, uma certa ansiedade de ida e talvez, de volta, como resposta, ou ela mesma, amarfanhada e carimbada, quando não encontra o caminho indicado, o endereçado. Perdemos principalmente a oportunidade de conhecer melhor alguém pela letra; admirando-a ou tentando decifrá-la. Tinha também as cartas feitas na máquina de escrever, “aparelhinho” de batucar as pretinhas, e que muita gente hoje nem conhece mais. Essas também tinham personalidade especial: o papel usado, as teclas quebradas ou que imprimiam diferente, com os erros quase impossíveis de ser apagados com os “branquinhos” , aquela gosminha em pincel que pincelávamos e com a qual tentávamos encobrir os erros, escrever em cima deles. As cartas trazem em si um certo romantismo,com ou sem envelope.

    Mas é mais uma coisa que mudou e muito. Às vezes fico vendo os carteiros e penso que eles já foram mais felizes quando imaginavam transportar a tiracolo em suas sacolas muitas e lindas cartas de amor, ou de despedidas, muito além do pacote de contas a pagar ou cobranças das não pagas que entregam hoje, quando até convites já não são mais aqueles que espetávamos nos murais de cortiça. Na boa, nem cartões postais tenho visto muitos, ou melhor, cartões postais, inclusive com publicidade agregada, agora até estão em displays em vários lugares, em profusão. Mas quem os usa? Eu olho e pego só os bonitos que viram quadrinhos que ficam por perto até que eu enjoe deles e os troque. Mas aqueles, típicos, tipo Torre Eiffel, Estátua da Liberdade nem tenho visto – muito menos recebido.

    Em tempos de Instagram acompanhamos as viagens quase que in loco – agora até com filminhos, e de gente que nem conhecemos pessoalmente. Instantâneos, como tudo agora parece precisar ser. Instantâneo. Só que volátil, constantemente substituído. Ninguém guarda, como fazemos com cartas, ou determinados recados ou bilhetes que, se de amor forem, então, ah, esses ganham até caixinhas, lacinhos, aromas. Lágrimas secas.

    Tudo isso digo porque também andei detectando uma nova forma de expressão por aí, inclusive de jornalistas, e que têm feito algum sucesso porque reproduzem exatamente isso: alô você aí, senhor ou senhora importante, eu existo e estou escrevendo para você. Certo que é uma carta aberta, mas a forma é essa, prezados, estimados destinatários. Cartas abertas no caminho.

    Nas últimas semanas encontrei muitas cartas para a Dilma e para o Obama. A primeira com observações para a senhora presidente, tipo não tenta me enganar que eu não gosto, ou contendo alguns detalhes gerais sempre esquecidos no noticiário comum, como as velhas amizades dela, as péssimas escolhas de sua equipe, lembrando-a de fatos e pessoas que certamente ela adoraria poder apagar das nossas memórias. Para o Obama, o que vi foram mensagens até mais bem humoradas, sobre quais seriam as grandes descobertas feitas pela espionagem da agência americana em cima da vida e feitos tanto da nossa presidente como daquele outro que continua como sombra, fazendo com que sejamos o único país do mundo governado por um sistema de governo de dois presidentes, como parece ser, dia e noite. Vi também muita gente brincando de consolá-lo pela ausência e enorme vazio que sentirá, dormindo na pia, com o cancelamento da visita oficial de outubro.

    Mas tem outras cartas, a Magna inclusive, a Carta. E esta é uma que vai estar no topo da onda por esses dias quando comemoraremos os 25 anos da Constituinte promulgada em 1988. Uma carta importante, detalhada até demais em alguns pontos, mas que vem sendo rasurada, cortada, rasgada, pisada em alguns momentos sem que muitas vezes a gente se dê conta.

    Será que precisaremos reescrevê-la qualquer dia desses?

    São Paulo, 2013

    (*) Marli Gonçalves é jornalista – Também lembro o horror que tinha de receber telegramas que, em geral, não traziam boas notícias. E eram caros. Além do que as frases eram marcadas por duas letras: p e t. Ponto.

    Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no http://marligo.wordpress.com. Estou no Facebook. E no Twitter @Marligo