(*) Ucho Haddad –
Natal… A grande maioria espera muito mais do que merece. Quer que milagres aconteçam sem que nada tenha sido feito para tal. Promessas de mudanças surgem a todo canto, como se esse movimento interno pudesse ser acionado pelo reles interruptor do falso querer. Não é assim que se dá a mudança. Não se muda apenas no Natal, não se estende a mão ao próximo somente no dia 25 de dezembro ou na véspera. Muda-se o tempo todo, sem descanso algum. Mudar é sempre um começo atrasado que jamais tem fim. Mudamos para sermos nós mesmos. Iguais, mas diferentes. Inusitados, mas sem inovar. Errando por querer melhorar.
Por isso mudo a cada dia para amanhã ser o mesmo de hoje. “Menos pior”, é verdade, quiçá um pouco melhor, mas sem mudanças radicais, porque a alma é imutável. Quem acredita que é possível mudar a essência mais casta é porque acostumou-se a enganar a si mesmo. Também não quero me agarrar à tese de Gabriela, de Jorge Amado, a do “eu nasci assim, eu cresci assim”. Do meu jeito trabalho incansavelmente para que o todo mude à medida da necessidade da parte. Pode parecer um sonho, mas no caminho muita gente já se juntou a mim.
Um dia, reunido com amigos, ouvi uma pergunta que sempre se repete: qual é o meu sonho maior. Se sonho maior existe, por certo não é só meu. Creio que é muito mais dos outros do que meu. Sonho em deixar um Brasil melhor para todos os brasileiros. Foi por isso que voltei depois de anos vivendo longe. Voltei para ajudar nessa operação de salvamento tão necessária, mas que alguns tentam impedi-la. Paciência! Eles fazem a parte deles, eu, a minha. Ao final veremos.
A minha resposta não convenceu os amigos que continuavam a questionar. Sobre um sonho pessoal, que eles tanto queriam saber, acabei sendo decepcionante. Disse que tudo o que quero – e até o último suspiro hei de querer – é poder continuar escrevendo. Sempre com coerência, responsabilidade, clareza e pautado pela verdade. Poder escrever foi o maior presente que poderia ter recebido ao longo da vida. Mas Deus, sempre generoso, fez o serviço completo. Presenteou-me com leitores. Escrever é uma dádiva, ter quem leia é o melhor dos sonhos. É aquele sonho de sonhar acordado, que é igual e diferente a cada instante, que sempre tem um final feliz que jamais acaba, porque no dia seguinte tem mais e tudo do mesmo. Esse sonho precisa continuar. Por querer que continue é que peço por isso sem parar – agradecendo, é claro – porque escrever é o ar que respiro. Sem contar que na ausência da escrita o meu pensamento se torna órfão.
Natal é um sonho diferente daquele que muitos sonham. Natal é algo maior e vai além do presente ao pé da árvore, da comilança desenfreada, da bondade politicamente correta e do falso arrependimento. Presente não me atrai, da mesa farta mantenho distância, bondade procuro praticar o máximo possível – é verdade que muitas vezes falho – e não me avexo diante da necessidade do mea culpa. Assim como corro dos falsos arrependidos, porque no dia seguinte sempre retomam a peçonha da maledicência. Por isso o Natal acontece todos os dias na minha vida. E entendo que deveria ser assim na vida de cada um, porque esse é o segredo para uma existência verdadeira e leve, mesmo que o fardo se mostre mentirosamente pesado. É assim que penso, é assim que ajo, é assim que avança a minha crença. Há quem garanta ser esse um equívoco de minha parte, mas confesso não saber ser diferente.
Pode ser incompreensível para muitos essa maneira de ser e de encarar a vida, mas foi assim que ela [a vida] me ensinou a existir. Há os que rotulam de conformismo, mas já provei que nem de longe tenho a essência do conformista, pelo contrário. Foi um aprendizado longo e difícil em muitos momentos, mas não me arrependo de uma lição sequer. Começaria tudo outra vez se preciso fosse. E em cada amanhã, por mais inusitado que seja, farei tudo de novo porque sempre faço o melhor e de um jeito igualmente diferente, buscando superar a mim mesmo. Oferecendo o máximo, sempre esperando o mínimo, o nada. O que parece ser repetitivo é uma novidade a cada instante. Escrevo todos os dias durante a maior parte do dia (e da noite também), mas sempre há algo inusitado e bom para fazer de cada detalhe um momento grandioso e único. Até o que não estava no script é bem acolhido, porque com os imprevistos também se aprende a viver.
Escrever transformou-se no meu catecismo, o turíbulo de uma vida inteira. O ofício que escolhi – ou será que ele me escolheu? – é o incenso que invariavelmente me leva à oração. Faço isso todos os dias, muitas vezes ao dia. Não oro tanto quanto escrevo, mas com certeza oro mais do que muita gente escreve. Grato por saber e poder escrever, em diversas ocasiões, mesmo correndo contra o tempo e lutando contra a carência de sono, saio nas madrugadas paulistanas para orar. A minha terra natal tem de tudo um pouco, até igreja que abriu no dia da inauguração e nunca mais fechou. Nesse templo 24 horas, onde o silêncio quase sepulcral desafia a escuridão da noite, é que celebro de forma intimista e reclusa o Natal de todos os dias. É lá que ceio com a fé, a confiança, a crença, a esperança. Afinal, o surgir do novo dia é sinal de que renasci mais uma vez. E não há presente melhor do que poder existir, mesmo que por um tempo inusitado e incerto.
Obrigado a todos que diariamente, ao longo do ano, me contemplaram com a leitura, permitindo manter o sonho de uma realidade melhor. Obrigado a cada um dos oponentes, porque sem eles seria nula a minha devoção à escrita. Obrigado aos que discordaram, aos que criticaram, aos que compreenderam, aos que não entenderam. Obrigado aos que acharam graça, aos que ficaram sem graça, aos que sentiram raiva, aos que experimentaram o alívio. Obrigado aos que aqui se encontraram, aos que pelo mundo se perderam. Obrigado aos que me elogiaram, aos que me amaldiçoaram. Obrigado a todos, obrigado a cada um. Obrigado, muito obrigado! Obrigado sempre, porque juntos podemos fazer um Natal diferente e melhor a cada dia.
Feliz Natal, sempre, todos os dias e com cada um!
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.