(*) Ipojuca Pontes –
A França virou um país de segunda categoria. O fato, inquestionável era, como dizem os observadores, previsível. Já em 1977, Raymond Aron, último grande pensador francês, denunciava, no profético “Plaidoyer pour l’Europe decadente”, o sério risco de se ter em curto prazo uma Europa (a França, em primeiro lugar) mergulhada na bancarrota, dominada pela figura do “ideocrata” – o velho político possuído por ideias socialistas e que assume o papel de “confidente da providência” para construir um mundo “mais justo e igualitário”, sempre, no futuro. (“Tuché”, mestre Aron – não deu outra!)
Com efeito, após a tomada de poder pelos socialistas, social-democratas e até falsos direitistas (tipo Sarkozy), a França enterrou de vez os sonhos de glória remanescentes da era De Gaulle e aprofunda hoje o seu inferno astral nas mais diferentes áreas, a saber: 1) na irreversível taxa de desemprego que atinge dois dígitos, a marginalizar cerca de 10 milhões de trabalhadores; 2) no esfacelamento da economia em recessão com uma dívida soberana prevista para bater 100% do PIB em 2014; 3) no aumento dos índices de violência, greves, roubo, prostituição, população de rua e consumo de drogas em escala vertiginosa; 5) na intensificação da fuga do capital produtivo pela taxação indiscriminada do lucro e da fortuna dos ricos, marcada pelos protestos de empresários como Bernard Arnault (do grupo Vuitton) e astros como Alain Delon, Johnny Hallyday, Alain Prost, Aznavour e Gerard Depardieu (que se naturalizou russo para fugir das garras do fisco); 6) nas denúncias diárias contra a usurpação dos dinheiros públicos, ativadas pelo espectro da corrupção da máquina administrativa do governo, com ministros da área econômica abrindo e mantendo contas em paraísos fiscais; e, para completar a espiral de desgraças que se abate sobre o costado da nação, na vexatória constatação de que a França, precursora hipócrita da política de defesa dos “direitos humanos”, depois de abusar da mão-de-obra barata de africanos, turcos, ciganos e mulçumanos, considera que o Islã é incompatível com a civilização europeia, concluindo, afinal, que a imigração em geral é um caso de polícia.
Diante do abismo, as elites políticas francesas, açuladas pela mídia esquerdista, lançam a culpa de tudo na vigência da crise global, que elas mesmas criaram, e na pacholice de François Hollande, o “bundão” socialista que prometeu colocar a França na co-liderança da Europa. Para elas, o atual presidente, agora repudiado por 84% dos eleitores, enganou a população (metida a besta) que adora se iludir com políticos promitentes da “igualdade e da justiça social”, em geral uma gente malandra e consciente do poder da demagogia e da propaganda enganosa.
Mas a crise europeia e, em particular, a da França, é muito mais sombria do que se possa imaginar. Ela data de um pré-tempo sem memória, florescente na mitológica charlatanice iluminista de Rousseau e no jacobinismo revolucionário de Robespierre, para desaguar, nas últimas décadas, na mistificação moderna, pós-moderna e desconstrutivista de intelectuais e acadêmicos atormentados tipo Sartre, Ponty, Foucault, Barthes, Lacan e Derrida, entre tantos outros empulhadores profissionais, todos eles arautos do esquerdismo à “derrière”.
Agora, segundo recente pesquisa da revista “Economist”, a maioria do povo francês (com o socialista François Hollande aboletado no trono do Palais de l’Elysée), se diz “infeliz” ou “muito infeliz”. Não poderia ser de outro modo. Hoje, a imagem da França vende a imagem da decadência, poucos se interessam pela língua francesa, suas artes são mero exercício de diluição e da pura vigarice e sua política, com seus escândalos sistemáticos, inclusive sexuais, só vende ao mundo a imagem de uma ópera bufa e barata.
(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.