(*) Ucho Haddad –
Nem mesmo Hamlet, o Príncipe da Dinamarca, personagem central da tragédia escrita pelo dramaturgo britânico William Shakespeare, seria capaz de desvendar esse mistério existencial da política tupiniquim. Isso porque de um lado está a melancolia da oposição, que tenta instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as estripulias cometidas na Petrobras, e de outro a insanidade dos governistas e aliados, que teimam em afirmar que nada de errado há para ser investigado.
O que se sabe – até Shakespeare, na tumba, já percebeu isso – é que o escândalo em questão foi, como ainda é, uma gatunagem promovida nas entranhas do governo pelos atuais ocupantes do poder verde-louro. Rouba-se de maneira escandalosa, mas para isso sempre há uma explicação. Alegam os petistas, por exemplo, que a roubalheira não deve ser escarafunchada porque a Petrobras, sob a batuta bandoleira do partido, triplicou seu lucro líquido. Ou seja, no Brasil um balanço patrimonial positivo é suficiente para justificar um roubo bilionário.
Como sempre acontece, os petistas usam como base de comparação os números da era tucana. Resumindo, petistas são magnânimos, seres superiores, jamais erram e no solo terreno agem na condição de oráculos do Senhor. Tudo o que fazem é absolutamente correto e eficiente, sendo que eventuais erros resultam, quase sempre, da implicância dos adversários. Esse cenário complexo da política brasileira daria um ótimo enredo para Shakespeare, mas pela impossibilidade do feito o melhor é aceitar a tese de que se trata de um caso de polícia. Até porque, quadrilheiros devem ser tratados com a dureza da lei, sem direito a discursos visguentos e ufanistas. Quiçá não seja caso de comprar um lote de camisas de força, porque dependendo do grau e da intensidade a mentira é uma doença fadada a internação em hospício.
O ano é de eleições, não se pode negar, mas a oposição tem razão em querer investigar a petroleira nacional, palco de um sem fim de descalabros, todos cometidos com a estelar chancela do Partido dos Trabalhadores. Essa intentada investigação se justifica mesmo que seja para criar um palanque eleitoral, como afirma o governo. Se nada for feito, o ato de roubar será guindado à condição de instituição nacional. E isso terá consequências desastrosas na sociedade do país, conhecido ao redor do planeta como o paraíso da malandragem.
Diante da impossibilidade de evitar a criação da CPI da Petrobras, os petistas, malandros de ofício, decidiram enganar a parcela incauta da opinião pública apresentando requerimento de uma comissão parlamentar de inquérito com escopo de investigação mais amplo. A estratégia – rasteira e criminosa – é muito simples: vende-se aos brasileiros desavisados a ideia de que o PT é uma reunião de bem intencionados monges tibetanos que não teme qualquer investigação, mas na verdade o que os bandoleiros petistas querem é impedir que os escândalos da Petrobras sejam trazidos a lume. Muito mais do que um golpe fatal contra o desgoverno da mentirosa e truculenta Dilma, qualquer investigação, como querem os oposicionistas, abortaria o projeto totalitarista do partido, que sonha em transformar o Brasil em uma versão agigantada da bolivariana Venezuela.
No momento em que batem no peito para destilar moralidade e retidão, os oposicionistas não devem temer qualquer investigação. Dizem os tucanos que os petistas querem incluir ouros assuntos na CPI da Petrobras com o objetivo de impedir que as verdades sobre a petroleira venham à tona. Afinal, a Petrobras transformou-se em caixa de Pandora. Pois bem, que a oposição proponha a criação de outra CPI para investigar escândalos no Metrô de São Paulo, mas que a comissão estenda seus tentáculos aos metrôs de Porto Alegre, Salvador e Belo Horizonte. O que os petistas intentam é atingir Aécio Neves, candidato do PSDB ao Palácio do Planalto.
Com o estrito objetivo de deixar os assuntos da Petrobras para o final da fila da CPI, o que em termos de tempo extrapolaria o período eleitoral, os petistas insistem em inserir nas investigações as empresas Alstom e Siemens. Que a oposição não tema esse assunto, desde que à lide sejam chamadas a Eletrobras e a binacional Itaipu. Afinal, ambas têm contratos com as citadas empresas, assim como guardam com muito cuidado suas peçonhentas caixas pretas.
Petistas acusam o PSDB de propor uma CPI para criar mote eleitoral, mas os palacianos e seus pelegos querem investigar o porto pernambucano de Suape. Resumindo, o PT quer alvejar Eduardo Campos, candidato do PSB ao Palácio do Planalto. Tudo muito bem, que os petistas investiguem Suape, desde que o assunto porto seja devidamente encaixado no escopo da CPI da Petrobras. De tal modo, seria possível ouvir o ex-senador Gilberto Miranda, flagrado na Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, tratando de assuntos nada ortodoxos para facilitar a construção de um porto no litoral paulista. Isso dificilmente aconteceria, porque Miranda conta a proteção do caudilho José Sarney, que tem um telhado de vidro na mesma proporção do estrago que ele e sua súcia promoveram no miserável Maranhão.
Da mesma forma, um eventual depoimento de Gilberto Miranda poderia provocar um estrago na liderança do governo no Senado Federal. Isso porque Miranda e seu irmão, Egberto Batista, conservam com muito carinho (sic) um arsenal de informações sobre a atuação política de Eduardo Braga, senador pelo Amazonas e líder do governo na Casa.
De quebra a CPI poderia ouvir Rosemary Noronha, a musa da Operação Porto Seguro, que até agora não foi incomodada sobre o escândalo. Apresentando-se aos que buscavam negociatas com o governo petista como sendo a namorada do malandro Lula, a Marquesa de Garanhuns tem muito a contar sobre os malabarismos no entorno do porto cobiçado por Gilberto Miranda, que ultimamente tem alternado momentos de euforia com outros de depressão, tudo por conta da incerteza que paira sobre o desfecho da Operação Porto Seguro. Para colocar a esperada cereja no bolo da corrupção, a CPI deveria exigir que o ex-presidente Lula explicasse como Rose Noronha fazia negócios escusos usando o seu nome.
Contudo, os brasileiros não podem aceitar lições moralistas de um cidadão chamado Renan Calheiros, que a reboque de acordo espúrio com o bandoleiro governo do PT emperrou a criação da CPI da Petrobras. Renan, é bom frisar, não tem moral para falar em defesa da Constituição, respeito a decisões do Supremo Tribunal Federal e fidelidade ao regimento do Senado. Aliás, quem usou a suposta venda de vacas sagradas para justificar o dinheiro sem procedência que custeou as despesas da amante não deveria sequer passear pela Esplanada dos Ministérios, que dirá presidir um dos três Poderes da República.
Nesse imbróglio sem fim em que se transformou o desejo de se investigar a Petrobras, o melhor que a oposição poderia fazer – e fez – é contestar no Supremo a manobra do PT, que contou com a aquiescência chicaneira de Renan Calheiros. É preciso defender a instituição da CPI, sob pena de, prevalecendo a vontade do criminoso governo petista, não mais ser possível criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, instrumento de vigilância da oposição e que encontra inconteste e sólida guarida na Carta Magna.
O Brasil de fato precisa ser passado a limpo, pois é sabido que política transformou-se em negócio. E como tal, movimenta muito dinheiro. Sendo assim, a oposição, que como o governo alega, não teme investigações, deveria propor a criação de duas CPIs: uma dedicada aos escândalos metroferroviários e outra aos escândalos portuários. Mas isso é mero devaneio de minha parte, pois na política sobram malandros e pululam covardes. E nenhum desses, malandros e covardes, aceitaria permanecer um segundo sequer sob a afiada e balançante Espada de Dâmocles.
A grande sorte da extensa maioria da classe política brasileira é que a labuta parlamentar começa pra valer na terça-feira à tarde e termina, na melhor das hipóteses, na manhã de quinta-feira. Nesse curto período, a população ainda lambe as feridas do estrago financeiro do final de semana e se prepara para uma nova sandice sabática. Do contrário, uma tragédia coletiva já teria acontecido no Planalto Central, fosse o brasileiro de fato preocupado com o País.
Diante do impasse que se agiganta e para finalizar, recorro ao genial Shakespeare e transcrevo a abertura do monólogo de Hamlet, que para o atual momento político dessa louca Terra de Macunaíma cai como a mais fina luva de pelica.
“Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
Em nosso espírito sofrer pedras e setas
Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de provocações
E em luta pôr-lhes fim? Morrer, dormir: não mais.
Dizer que rematamos com um sono a angústia
E as mil pelejas naturais-herança do homem:
Morrer para dormir… é uma consumação
Que bem merece e desejamos com fervor […]”
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.