(*) Ipojuca Pontes –
“Há algo de podre no reino da Dinamarca”, considerou o Príncipe Hamlet a respeito do naufrágio moral do país escandinavo, na mais longa e provavelmente complexa das tragédias de William Shakespeare. A peça do dramaturgo eterno tem como cenário histórico o ambiente de corrupção, roubo, assassinato, adultério, incesto e suicídio que dominava o trono da velha Dinamarca. No entrecho, o angustiado Príncipe descobre que um ambicioso tio matou o Rei, seu pai, se apossou da viúva, sua mãe, com quem se casou, e ainda por cima planeja deportá-lo. Para sobreviver, Hamlet finge-se de louco, ao tempo em que desencadeia sobre o trono manchado um projeto de vingança do qual ninguém escapa – nem ele mesmo.
Outro dia, um subintelectual caboclo, cultor da sinistrose, no propósito de interpretar o que se passa no Brasil contemporâneo, vaticinou num jornalão carioca que havia “algo de podre” no cenário político e social tupiniquim. Sua tese, formulada em tom de calculado arrebatamento, era de que, dentre em breve, o país, o vosso país, iria cair de podre. Literalmente. Na sua ira defasada, o subintelectual esquerdista, antigo vassalo de Lula, profetizava ameaçador: “Tudo vai explodir em 2015! Tudo vai explodir em 2015!”
Já outro cronista (historiador de profissão) fez previsão esdrúxula: diante do tecido purulento que encobre o governo socialista-leninista, vislumbra para breve o fim melancólico do PT (Partido dos Trapaceiros) que há mais de década corrompe oficialmente o Gigante Adormecido. Ele prevê (um tanto por idealizado desejo) o fim do governo petista nas próximas eleições, projetando, por outro lado, a vitória da inexistente oposição, que, para ele, uma vez eleita, presumivelmente encontrará enormes barreiras para exercer o poder.
Vamos por partes (como diria o açougueiro Jack). Em primeiro lugar, é preciso dizer que o Brasil não “vai cair de podre”, e isto por uma simples razão: ele já caiu. Digo e repito: de podre, ele já caiu. Basta olhar. Com efeito, o combalido organismo da nação está encharcado de pus, um pus denso e abundante a porejar por todo seu corpo institucional, pus que viceja nas cátedras, púlpitos, parlamentos, burocracias e toda a vida econômica, social e política da taba – pública e privada. Exemplo? Bem, vejamos: quando, a partir de boato divulgado na onipotente Internet, a população ensandecida estraçalha na rua uma mulher indefesa (Fabiane de Jesus, moradora periférica de Guarujá, acusada de sequestro que não praticou), fica cabalmente demonstrada a falência do aparelho de segurança do Estado e da própria saúde moral da sociedade. (A bem da verdade, se diga, ambos subjugados, de forma programática, pelo bafo da ideologia revolucionária, tida como “transformadora”, disseminada no âmago do poder pelo bando vermelho que subverte o País).
Por sua vez, prognosticar para breve o fim melancólico do cada vez mais forte PT (Partidos dos Trapaceiros) e, pior ainda, projetar a possível vitória da canhestra oposição nas próximas eleições não passa, convenhamos, de tola especulação. Sim, é verdade, grande parte da classe média está mais do que saturada de um governo que a esmaga, ansiosa por protestar nas ruas e nas urnas e para vê-lo por trás das grades. Mas, ricos e pobres, é de se reconhecer, corrompidos pela práxis governamental, não só convivem bem com “tudo isto que ai está”, como aceitam de bom grado sua perpetuação. Estou enganado?
De fato, o Reino de Lula (e Dilma) expele pus por todos os poros, muito mais fétido do que o “algo de podre” conjeturado pelo Príncipe da Dinamarca. Nele, onde se apertar escorre pus. Em abundância, pelo menos, na área cultural (regiamente corrompida), no segmento partidário, nos ministérios, empresas e bancos oficiais, sindicatos e centrais de trabalhadores. O próprio Lula, Mefistófeles caboclo, com sua voz patológica, transita lépido e soberano no charco purulento que ajudou a criar.
E é exatamente por isso que o seu reino infectado, contraditoriamente, ainda vai durar.
(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.